sexta-feira, 9 de julho de 2010

ONDE ESTÃO OS VAGA-LUMES?


Sobre a obra

Da coletânea de crônicas sobre a VIDA E O TEMPO.



Começo a escrever no exato momento que a tarde escapa dos meus olhos e permite que o veludo da noite comece a cobrir a cidade. Examino a sua cinza geografia e vejo o seu crescimento meteórico, desordenado, incessante. Vejo que todas as cidades são fiéis ao inesgotável. Que não descansam, não dormem e não desaceleram nunca.

Sem saber explicar o motivo, de repente, sinto uma enorme saudade do meu tempo de menino. Como olhando um filme rodado num recuado pretérito lembro dos meus amigos de infância. Onde eles estão? Por quais mares e terras andam afogadas ou soterradas tantas promessas de amizades que pareciam eternas, de solidariedade, de alegrias que prometiam ser infindas ?

Lembro dos mágicos finais das minhas inesquecíveis vesperais de chuvas, dos coloridos começos das noites da minha infância, rodeado de muitos e sinceros parceiros, amigos do peito, leais, infalíveis companheiros das algazarras, das brincadeiras, com os olhos sempre fiéis para enxergarem o fantástico, de compartilharem os mesmos sonhos, as mesmas sensibilidades, de ouvirem em silêncio o canto quase orquestrado de tantas cigarras anunciando a retirada da última claridade da tarde.

Cúmplices na paciência, na quase incontrolável expectativa de também esperarem, em silêncio, sentados nas beiras das calçadas o surgir de um céu terreno, na exata altura dos nosso olhar, trazendo o piscar e o voar de todas as suas estrelas, que tocavam nossas roupas, misturavam-se aos nossos cabelos, em tão grande quantidade que quase ofuscavam os fachos das luzes amarelas que desciam preguiçosamente dos postes de ferro.

Eram dezenas, incontáveis e encantadoras estrelas chamadas vaga-lumes, nossos amigos noturnos, que na profusão dos seus vôos nem percebiam que escreviam doces poesias no ar, iluminavam nossas noites, nossas vidas, nos tornavam mais amigos e bordavam com todas as cores os nossos devaneios de crianças.

Era um céu particular, de tão rara beleza, que nenhum de nós ousava tocá-lo com receio de machucar aquelas vivas estrelinhas de Deus. Assim como vinham, partiam em revoada, quem sabe, para encantar a imaginação de outras ruas, de outras crianças, de outra turma de amigos?

Olhando aquele nosso céu indo embora não ficávamos tristes, porque sabíamos que existiria o amanhã. Sabíamos que como companheiros e parceiros estaríamos juntos para novamente reverenciar, como seus apaixonados servos, nossos iluminados e voadores amigos dos começos de noite.

Aliviado, redescubro, nos caros amigos da minha infância muitos prazeres simples da vida que o danado do tempo quase me fez esquecer. Com o coração e o espírito renovados, volto a escrever, perguntado ao meu coração, onde se ouve hoje o canto estridente das cigarras? Em que tipos de árvores se escondem, em que galhos sobrevivem, em qual folhagem se misturam? Onde estão os vaga-lumes? Onde estão os amigos de ontem que, pela lei da vida, deveriam ser os amigos de hoje?

As cigarras não as vejo e nem as escuto desde a minha infância. Os amigos fiéis de agora, que choram as minhas lágrimas, que abraçam os meus abraços, que contam as minhas estrelas, que vivem meus entardeceres, minhas noites, minhas alvoradas, que oram as mesmas orações, que vivem o meu agora, quase posso contá-los nos dedos.

Os outros, do tempo da fantasia da minha infância, talvez espremidos pela mão do próprio tempo, com certeza, também, como eu, andam pisando nas suas sensibilidades, nas suas desventuras e procurando suas cartas de saudades que todos nós acabamos deixando, um dia, espalhadas pelo chão dos anos.

Diferente do meu tempo de criança, a maioria dos amigos de um passado distante e os vaga-lumes da minha infância, juntos, na mesma revoada, perderam-se na pressa da vida.

Faz três anos vi um vaga-lume sem rumo, sozinho, ao sabor dos bons ventos da praia do Chapéu Virado, na ilha do Mosqueiro. Um parceiro, um amigo do peito, jura que viu dois faz quatro meses na beira de uma estrada. Acredito.

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