sábado, 12 de janeiro de 2013

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A MORTE PEDE SUBORNO





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De que lhe vale esta mansão estilo Tudor, se dorme no chão para não gastar os lençóis? Atravessa os dias e as noites contando dinheiro, e a única coisa que consegue interromper esse passatempo vitalício é o boletim com a movimentação da bolsa e a cotação das commodities.

Ele ainda confia na eficácia redentora do óleo de fígado de bacalhau e desconfia dos comprovantes de banco.

"Que segurança pode ter um papel cuja impressão some toda com meia hora de sol ou três dias dentro da carteira? Se é para ser comprovante e documentar a transação, o que está impresso nele não deveria sumir nunca."

E aí ele tem toda razão. Não dá mesmo pra explicar esse negócio. Mas ele tinha outras e impagáveis assertivas, que repetia em tom ranzinza.

"Há muito tempo ouvi dizer que Aristóteles Onassis começou sua fortuna catando na rua bitucas para fazer novos cigarros. Isso é senso de oportunidade. Isso é erguer tudo do nada, revidando ao mundo e ao destino a pobreza de nascença."

Come maçãs acompanhadas de coisíssima nenhuma, pois lhe disseram que, ao mesmo tempo em que nutre e faz bem à saúde, conforme é mastigada a fruta já vai limpando os dentes, o que lhe poupa gastos com escova e creme dental.

"Uma maçã todo dia, não mais que uma. A ruína de Adão me blindará e será o meu salvo-conduto para o século que vem. Viverei mais que todos e evitarei o Alzheimer contando minhas lindas notas. Contar dinheiro exercita a mente e é tão terapêutico quanto fazer palavras cruzadas."

É, e pelo menos para ele, trata-se de uma tarefa que serve para alguma coisa. De qualquer forma, jamais deixaria outra pessoa fazer isso em seu lugar.

Arranca todas as etiquetas visíveis de suas roupas. Entende ele que essa é uma forma de propaganda do fabricante e, até onde sabe, jamais será remunerado pela veiculação. Então, tesoura nelas. Nem bem saem das lojas e as roupinhas de grife viram artigos genéricos.

"Ainda se a roupa saísse de graça, vá lá, tudo bem. Até toparia a permuta. Eles me dariam as calças, camisas e sapatos e eu sairia pra rua desfilando as marcas deles".

 “Caixão não tem gaveta”, para ele, é só uma frase feita - nunca uma sentença. Como não tem mais ninguém nesse mundo, ocupará sozinho o imenso mausoléu que mandou construir em meados dos anos 80. Sobrará espaço bastante para abrigar, ao lado dos seus ossos, as notas que conta e as que ainda irá contar. Enquanto isso, conforma-se em abrir mão de algumas delas para subornar a morte, que de vez em quando aparece com sua foice para levá-lo.


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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2 comentários

andre albuquerque

Marcelo,parabéns por mais este tipo inesquecível , criado com a maestria de sempre, no manejo do humor.Forte abraço.

Marcelo Pirajá Sguassábia

Grato, mestre! Meu abraço.