quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

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O CARRO DO SOL 2 - JANDIRA ZANCHI





O CARRO DO SOL 


2.

       Todas as reflexões que iniciara no deserto, para os tempos e as marchas, foram se desfazendo para Mona. Esqueceu-se de verificar comportamentos, compartimentos, sentimentos, esclarecer hipóteses ou enfurecer contradições. Por alguns dias vagou por laboratórios, observatórios, cursos, seminários, longos corredores que namoravam o deserto, arcadas quase medievais em sua oração. Não deixou de deslumbrar-se com a dança das sombras coloridas no cair da tarde, com o líquido ruído dos filetes de água nos pequenos jardins.  Fez alguns amigos, cordiais, distantes, prestativos, um pouco observadores. Alado  reunia-se com alguns doutores para os informes científicos e técnicos e o tempo da bela era colorido, rico, enfeitado de satisfação e bem estar.
       Mona preparava-se  para o encontro com um belo médico, Acássio, um especialista em plantas medicinais. Enquanto esperava   percorria  o palácio, espiava  cursos e estudos de seu interesse. Nem todas as portas se abriam, mas, ela não se aproximava de todas elas. Encantada e intrigada com a atmosfera lúcida e recolhida foi entregando-se ao lugar.
       Ficou mais à vontade quando conheceu um grupo de dança e começou a participar das aulas e ensinar algumas coreografias. Nesse grupo estavam muitas pessoas, homens e mulheres, que também eram estrangeiros e tinham um temperamento mais espontâneo, sensual, parecido com os habitantes do vilarejo oriental.  Reuniam-se no começo da noite para uma taça de vinho em um espaço muito amplo, um salão e terraços, estrelas muito brancas, um aroma suave do calor se desprendendo das areias do deserto.  Muitas pessoas iam confraternizar ali, o clima era muito ameno e podiam ver-se, inclusive, alguns mestres, nem sempre acessíveis em outras situações. Era o que se comentava. De qualquer forma essas reuniões de senhores e discípulos desmistificavam o lugar, deixavam os aprendizes tranqüilos e abertos para os estudos.
        A atmosfera era sempre impessoal, espiritual, satisfeita. Mona sentia dificuldade de defini-la. Mas, como constatou com seus novos amigos, no Palácio dos Arcos um humano deixava do lado de fora qualquer tipo de agressividade ou ansiedade. Suas carências afetivas tornavam-se mais leves, inexatas, quase vagas.
         Nesses primeiros dias divertiu-se muito junto aos companheiros e companheiras do vilarejo. Como ali não se praticavam os intermináveis exercícios de espada e controle de mente – vez ou outra e muitas delas para demonstração para os senhores – sobrava muito tempo para o vinho, as festas e... o amor. Os espantosos habitantes do vilarejo oriental mostraram-se grande companhia, alegres e solidários. E Alado, bem Alado, sem muito preâmbulo começou a namorá-la, como se fosse seqüência natural do relacionamento que mantinham. E Mona, que ali chegava mais mulher e pragmática, não pode deixar de observar que não tinha exclusividade nesse encantamento. Efetivada em outras fluências, a bela deixou-se derivar nesse afeto, amigo e vibrante. E vestiu o manto laranja para a entrada no Palácio dos Arcos.

 

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