O dia mal
amanheceu. A barca que conduzirá Ushiro está atracada na margem do rio. O jovem
abraça longamente a mãe, que chora copiosamente à sua despedida. Ela sabia que
um dia esse momento iria chegar, mas nunca se sentiu preparada.
E agora Ushiro iniciaria
a jornada para ir trabalhar em uma plantação de arroz no outro lado do país,
onde as oportunidades eram melhores e havia a esperança de economizar e
garantir o futuro, dele e da mãe viúva. Ali, naquele pedaço de terra isolado,
não havia futuro para os jovens.
Kaneko
lembra de como o filho era frágil, inseguro e assustadiço, de seus lindos e
luminosos olhos. A introspecção e o porte orgulhoso sempre marcaram sua postura
diante. E pensar que ele se achava feio e baixinho, para os padrões do lugar!,
pensa a mãe, sorrindo.
Nas horas
que antecederam a despedida, recordou com certa nostalgia das noites em claro
que passou, do zelo que sempre teve para com ele, da extensa jornada de
trabalho tecendo o algodão e a lã, dos sacrifícios para colocar a comida na
mesa...
E agora a barca
estava esperando, a poucos metros, para arrancar dela o seu bem mais precioso.
Ao soltar o abraço, Kaneko seca rapidamente as lágrimas. Ushiro faz o mesmo, mas
se recompõe rapidamente e mantém a postura ereta. Era um homem, e homens não
choram, muito menos na frente da mãe.
-
Não chore, mãe. Eu vou ficar bem, a senhora vai ver! Logo, logo eu consigo
guardar um dinheiro e vou lhe enviar. Prometo que venho visitar a senhora
sempre que puder. Não vou demorar...
O
barqueiro alerta que está na hora e Ushiro corre. Ao entrar na barca, lança um
último olhar à mãe, que acena e sorri, sem conter as lágrimas que continuam a escorrer
pela face.
Na
volta para casa, com o coração apertado, ela encontra o venerável da aldeia.
-
Boa tarde, dona Kaneko! A senhora parece abatida... Aconteceu alguma coisa?,
pergunta o venerável ancião. Ele sempre era procurado para aconselhamento em
questões comunitárias e sentimentais.
-
Meu filho foi embora! O meu menino partiu naquela barca e nem sei quando o
verei de novo...Ele vai para tão longe...
-
Minha cara dona Kaneko, lembre-se de que os filhos têm espíritos livres, e que
têm o direito de escolher o próprio caminho... Ninguém vive a vida do outro.
Cabe às mães criarem seus filhos com valores de ética, honestidade,
generosidade e retidão de caráter, e passar um bom exemplo.
-
Eu sei, mas não é fácil...
-
Entendo perfeitamente, dona Kaneko. Sei que não é fácil. E sei também que foi
uma excelente mãe.
-
Obrigada...
- Cada um tem a sua missão. Nos é dada a
oportunidade de viver essa missão da melhor maneira possível, devotando a
própria vida, mas a opção é da pessoa em querer cumprir seu Karma, ou deixar
para a próxima encarnação...
-
E o que devo fazer?
-
Pratique o desapego, ore por ele e se mantenha receptiva. Seu filho tem que
saber que tem um lugar para voltar e uma mãe amorosa para rever, sempre que
sentir saudade.
Com
a expressão da face aliviada, Kaneko agradeceu e se curvou, em sinal de
respeito.
-
Sou muito grata por suas palavras. O Universo providenciou que o encontrasse...
-
Nada acontece por acaso, dona Kaneko, disse o venerável, misteriosamente, antes
de seguir pela estrada.
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