A todos os garçons do Monarca.
“Farrapo humano é um belo filme sob a batuta do gênio Billy Wilder, com as inesquecíveis interpretações de Ray Milland e Jane Wyman, abordagem realista e profunda num retrato devastador do efeito do álcool sobre seus dependentes, ganhador de quatros Oscar, é um filme imperdível.”
Estava lendo
quando pediu:
- Instrumento, por
favor?
- O que? O senhor
me chamou?
- Sim. Você não é
o Instrumento?
- Não, meu nome é
Lira.
- Então, Lira é um
instrumento medieval. É uma harpa minúscula usada pelos cantores medievais. Não
sabia?
- Não, não sabia.
- Enquanto Roma
ardia em chamas, o pederasta Nero, com sua lira, cantava uma ode em homenagem a
cidade.
- Pederasta,
senhor?
- Sim, pederasta.
Não sabe também o que é?
- Não sei senhor.
- Veado, bicha,
gay.
- Eu hein!
- Aliás, Nero
mandou incendiar Roma para que ele pudesse com sua lira cantar em louvor a sua
tão querida cidade.
- É mesmo! Mas eu
não sou gay coisíssima nenhuma.
- Vai ver que você
tem algum parentesco com o criador da lira.
- Sai para lá, que conversa hein! O que o senhor quer afinal, não posso ficar falando besteira o tempo todo.
- Sai para lá, que conversa hein! O que o senhor quer afinal, não posso ficar falando besteira o tempo todo.
- Ei, calma, meu
querido, não se zangue. Traga-me mais uma dose.
Lira se afastou, voltando pouco depois com a bebida. Ele ergueu o copo a altura dos olhos. Mentalmente fez um brinde:
Lira se afastou, voltando pouco depois com a bebida. Ele ergueu o copo a altura dos olhos. Mentalmente fez um brinde:
- Um brinde ao
gênio Billy, um brinde ao seu farrapo humano em que estou me tornando. Maldita
pinga. Um brinde a você também. Ah! Também não esquecemos, um brinde ao Lira
pela paciência em me atender.
Num único gesto,
entornou o conteúdo do copo para dentro da garganta, estalando a língua.
- O instrumento,
por favor – chamou o garçom numa voz pastosa.
Lira quase o mandou a merda, mas lembrou das dívidas, aluguel, luz, leite para as crianças, fechou a cara e foi atender o sujeito.
Lira quase o mandou a merda, mas lembrou das dívidas, aluguel, luz, leite para as crianças, fechou a cara e foi atender o sujeito.
- Quanto foi?
Quanto devo não pagar?
E riu um riso
fedendo a pinga.
- Cinco doses, dez
reais.
- O que? Cem
reais? Vinte reais a dose? Que ladroeira é essa?
- A dose é dois reais, o senhor tomou cinco doses, portanto são dez reais.
- Ah, tá certo. Pago para você mesmo?
- A dose é dois reais, o senhor tomou cinco doses, portanto são dez reais.
- Ah, tá certo. Pago para você mesmo?
- Não, pague no
caixa, por favor.
Levantou
cambaleando, quase caiu ao tropeçar no pé da mesa.
Lira pensou:
Lira pensou:
- Vai procurar sua
turma e espero que não volte mais.
Ao limpar a mesa,
viu que o sujeito tinha esquecido a revista. Lira pegou a revista e leu na capa
em letras garrafais:
“Farrapo humano é
um belo filme sob a batuta do gênio Billy Wilder. Todos envolvidos no
alcoolismo deveriam assistir.”
Pensou em
devolver, mas o sujeito já tinha saído. Jogou a revista no lixo, voltou sua
atenção ao serviço, esquecendo o incidente.
Pastorelli
Pastorelli
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