segunda-feira, 26 de setembro de 2016

0

Pequenas histórias 244

Uma história real com pequenas pitadas de imaginação.


Julinho estava na calçada conversando com os amigos quando ouviu seu nome ser pronunciado. Do meio dos sons da avenida, captou a voz do amigo chamando-o. Virou a cabeça e a cabeleira loira foi jogada de um lado para o outro, fazendo-o se sentir numa onda de luz, como se estivesse num palco tendo sobre ele o holofote a iluminá-lo. Sorridente, ao ver o amigo que o procurava, dando prova da amizade que tinham um pelo outro, se virou com os braços abertos quando, aterrado, percebeu o projétil vindo em sua direção.
Estarrecido viu o sorriso triste do amigo, com um pé apoiando a bicicleta, e a mão empunhando o revolver em sua direção. Pode ver os belos olhos de Dinho chorando e dos seus lábios conseguiu ler:
- Desculpe amigo. Não posso fazer nada. É você ou eu.
Julinho ainda conseguiu ver o amigo se afastando rapidamente na bicicleta que ele lhe dera de presente. A bala penetrou na sua testa saindo do outro lado. Julinho não gritou ao sentir o impacto quente do projétil furando sua testa e arrebentando a nuca. Jogado para traz, caiu na calçada empapando a loira cabeleira de sangue. Sorriu ao ver a luz do poste iluminando-o. Sou feliz, pensou. Em seguida fechou os olhos calmamente.

Ricardo, Ricardinho ou Dinho para os amigos, descia a avenida pedalando o mais devagar possível. Queria prolongar o máximo que pudesse a angustia que arrebentava o peito. Chorando não conseguia entender o porquê fora escolhido para essa missão ingrata. Não podia fugir. Pensou em ir embora para outra cidade até outro estado. Sabia que não adiantaria nada. Seria alcançado pela Chefa. Caralho, agora que estava tudo bem! Estavam até arrumando o barraco para morarem juntos. Por que ele? Por que não outro? Não adiantava se martirizar tinha que fazer o serviço e pronto.

Arrumavam o barraco quando bateram a porta. Era o Miquelinho trazendo um recado da Chefa. Miquelinho tinha dez anos, era o mais novo da turma. Dinho tinha dezoito e Julinho dezesseis anos.
- A Chefa está te chamando, Dinho – disse Miquelinho com sua voz anasalada.
- Ok, estou indo.
O que ouviu dos lábios da Chefa, mulher de seus vinte e poucos anos, dona do ponto onde eles trabalhavam, deixou-o estupefato.
- Você precisa fazer um serviço para mim.
- Qual serviço chefa?
- Matar o Julinho.
- O que? Matar o Julinho?
- Sim, o Julinho.
- Por quê? Meu melhor amigo. O seu preferido de todos nós.
- Fiquei sabendo que ele está vendendo droga em outros pontos e ficando com o dinheiro para ele, e isso não admito.
- Mas...
- Não tem mas e nem menos mas, ou faz o serviço ou você morre. Escolhe.

Não tinha escolha, era a regra do jogo. O jogo do mais forte. Descia a avenida que naquela hora não tinha muito movimento. Já estava vendo o amigo com sua cabeleira loira, alegre como sempre. A única coisa que Dinho desaprovava no amigo era a mania de se vestir de mulher. Não era michê e nem travesti, era apenas uma forma de brincadeira. Era um porra louca como se dizia. Muitas vezes os dois entregando os folhetos das boates se divertiram a beça. Lamentou tudo agora era passado. Ficará no passado, disse seus olhos molhados de lágrimas. Parou a bicicleta bem em frente do amigo e chamou:
- Julinho.
E não esperou o amigo se virar. Ao mesmo tempo apertou o gatilho sentindo o coice da arma quando o projétil veloz foi buscar a testa de Julinho. Não esperou para ver o resultado, saiu o mais depressa que pode, pedalando freneticamente. Devido às lágrimas não enxergava nada, desejava sumir o mais rápido que pudesse. Tudo estava perdido mesmo, pouco importava a vida, pensou. Foi quando não viu o sinal fechar para ele. Atravessou o sinal e foi lançado longe por um caminhão jogando-o em cima do carro à frente. Seu corpo deu pirueta no ar e caiu em cima do vidro traseiro do carro cinza e escorregou para o asfalto, obrigando o motorista do caminhão a frear para não passar por cima dele.

Nota: a Chefa, por ser mandante do crime, pegou vinte anos de cadeia. Dona do ponto de trafego de drogas que tomou conta depois que o amante aidético faleceu, deixando-a com duas filhas aidéticas, usava os menores para vender a droga. A história é verdadeira, apenas inventei a relação entre os dois meninos: Julinho e Dinho.


pastorelli

Seja o primeiro a comentar: