Faz
frio, caminho olhando para baixo, tentando evitar o toque do vento em meus
olhos, as lágrimas involuntárias afetam o foco do meu olhar. Por um momento
meus pés parecem pertencer a outro corpo, vê-los assim, permite ao cérebro não
senti-los como parte do todo que comanda.
Meu
corpo agora imerso e acostumado à baixa temperatura integra a paisagem, o ar
frio não respeita a roupa, toca a pele, levanta os poros. Escorre do nariz um
líquido incolor e salgado.
No
caminho sem destino que percorro, há uma casa de madeira, uma de suas janelas
está escondida por uma pequena montanha de areia, uma menina solitária, por
volta dos cinco ou seis anos, brinca com sua boneca, não, ela brinca com a
areia, fazendo da pequena mão uma ampulheta e despejando grãos de tempo sobre o
corpo do brinquedo.
Não
domino seu idioma, mas isso não faz diferença, ela está calada, não percebe a
minha presença, está inteira dentro do seu gesto, eu de longe, faço de sua ação
também minha. Ela não usa blusa de frio, está apenas de camiseta e calça jeans,
seu pequeno corpo nascido e acolhido no país de Dostoievsky, sente menos os
efeitos temperatura do que o meu corpo tropical.
Seu
rosto parece queimado, nesta hora meu astigmatismo é um inimigo da precisão. A
menina está sozinha, mas não parece desamparada. Sentada sobre a areia, parece
caber no Gênese, mas ao invés de barro e um sopro, ela tenta animar o corpo de
plástico com os grãos que caem lentamente sobre o rosto de sua criatura.
Sinto
ternura, esta coisa de gente boba, esta coisa que deixa a pele do corpo mais
fina, mais vulnerável ao sentir da vida. Por um minuto penso se há alguém
dentro da casa, alguém que possa acolhê-la se o mundo parecer grande demais,
mas seu semblante me transmite concentração e tranquilidade.
Eu
sigo em frente, penso que estou abandonando a pequena russa, mas quem segue
procurando a comunhão do abrigo sou eu.
Este texto é um diálogo, uma
leitura da fotografia de Serguei Maksimishin.
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