domingo, 5 de agosto de 2018

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ESFERA ROMPIDA


Pena que pena que coisa bonita... E, ainda assim, acaba. Quando um casal de amigos se separa - um casal daqueles que a gente conheceu sempre junto, feito o diagrama de Tai Chi, o yin e o yang em harmonia inteireza -. A gente fica de boca aberta. É duro e doloroso; não acreditamos, não queremos, perguntamos feito filhos órfãos: “Como assim? Eles nem me perguntaram nada? Foram feitos uma para o outro, viveram a vida inteira juntos, como podem agora se separar?” E, ainda assim, a vida segue, o rio transcorre, a ampulheta chia, o tempo realiza seu trabalho de juntar e separar; separar e juntar. E então a gente vai a um evento perto de casa e, pela primeira vez, encontra seu Rogê sozinho, sem Dona Ju. Difícil pensar que eles se conheceram durante a jovem guarda, velhos tempos, belos dias... Difícil crer que atravessaram mais de trinta anos juntos e, agora, no início do inverno, cada um foi para o seu lado; procurar outro caminho, enfrentar a neve e a viagem derradeira em outra cama. É triste imaginar Dona Ju olhando a chuva sozinha, bebendo chá em cadeira de madeira e balanço. É duro imaginar seu Rogê, menino envelhecido, compondo poemas para a ausência de sua metade. Quem é que pode imaginar Akira sem Sueli, ou Éder sem Ligia? É estranho ver um deles sem o outro por perto... Sensação de círculo incompleto... No último sarau, aqui na periferia onde moramos, vi seu Rogê inseguro, sozinho, não cabendo muito no mundo. Ele que sempre foi tão alegre, que bebia e cantava e recitava poemas de amor. Como é que um homem de setenta anos pode se perder assim? Num determinado momento, alguém puxou uma canção triste e eu vi seu Rogê suspirar e passar a mão cansada sobre os cabelos escassos e brancos. Pensava quem sabe na menina travessa que ele um dia amou e que vivia agora em outra placa tectônica, num Universo paralelo, tão distante da vida que viveram juntos. Eles se amaram de qualquer maneira à vera. Qualquer maneira de amor vale à pena e quando acaba, se acaba, não termina, torna-se parte da nossa travessia: esfera rompida que ainda guarda nas bordas o encaixe da outra parte.


Este post é o diálogo entre a imagem feita por mim (Fernando) e a narrativa que ela suscitou no escritor Daniel Lopes Guaccaluz. 

1 Comentário

Otacilia Andrea Sales

Que coisa mais linda isso de "habitar outra placa tectônica"! Sensível, singelo... Oh texto meigo de melancólico... Chorei aqui. Foi bom não...