quarta-feira, 26 de setembro de 2018

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Pequenas histórias 293

Aos amigos Rascunheiros.



Com o dedo pegou a último pedaço de morango que teimava ficar no fundo do copo. Colocou na boca e, saboreou a macieza da fruta embebida no saquê a ponto de lamber as pontas dos dedos. Decidirá que aquele seria o último copo, no entanto, achou que devia ficar mais um pouco, afinal fazia parte de tudo àquilo que, junto com Savasini, criavam um ponto de encontro poético entre os amigos já existentes nos encontros semanais na Cara das Rosas, os Rascunhos Poéticos, e os amigos que pudessem se associar a eles no El Malak. Pensando assim, pediu mais um copo:

- Bigode, por favor, mande mais um para mim.

- De morango mesmo?

- Sim. Pode ser.

Aquela noite estava sendo mais uma noite especial, como sempre são todos os sábados, apenas que aquela noite estava sendo mais especial que todas as outras. Todos os anos vêm acontecendo na Casa das Rosas, a Haven, e como todos os anos, o grupo foi mais uma vez convidado para participar do evento. A Haven foi criada para homenagear o espaço que leva o nome do poeta concretista Haroldo de Campos.

Relanceou carinhosamente o olhar de uma ponta a outra da mesa e, sorriu mentalmente. Desde que criaram como gostavam de chamar, o pós Rascunhos, a mesa nunca ficou com menos de seis poetas. Isso significava que o projeto estava dando certo. Numa ponta discutiam-se poeticamente a palavra e seus processos criativos, na outra ponta discutiam-se também a palavra, mas a palavra inserida no soneto e suas regras.

Pena que nem todos podiam comparecer com mais frequência. É uma pena que pequenos contratempos obstruíssem os desejos de cada um a ponto de se afastarem um dos outros. É uma pena mesmo, pensou olhando rosto por rosto, onde cada face apresentava seus pensamentos próprios e misteriosos. Tanto ele, como Savasini, criara um elo carinhoso com cada poeta. Talvez, mais o Savasini do que ele, pois o Savasini conseguia dar atenção especial para cada um, ouvindo, discutindo, propondo, aceitando com uma paciência extremosa. Não que ele não tivesse, até que ele tem, apesar de ser uma atenção meio reservada por culpa de um acanhamento  que aos poucos estava sendo derrubado.
Assim como ele procurava entender os amigos, esperava que os amigos entendessem seu pavor em falar em público. Por esse motivo é que estava tomando seu último aperitivo e, ao se despedirem na entrada da estação do metrô Brigadeiro, pode observar a reciprocidade da amizade em cada abraço.


Pastorelli

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