quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

0

Pequenas histórias 311


Exausto


Exausto. Era o que estava sentindo. A roupa molhada não pingava, exalava suor quente por todos os poros. Há quanto tempo estava nessa situação? Não podia dizer com exatidão. Apenas sentia o som penetrando na pele, atravessando a carne, moendo os ossos e eletrizando os nervos condutores dos movimentos. Não conseguia parar. As vibrações dos vidros das janelas fechadas, as moléculas das paredes, a estrutura do prédio vibravam junto com ele desenfreados. Seus membros, rebeldes, não obedeciam ao seu comando, se jogavam de um lado para outro desengonçado. Via corpos extremados de cansaço estirados no chão. Alguns ainda gesticulavam os dedos até que estes paravam imóveis no ar.
Uma coisa que ele notou, depois de algum tempo, é que só havia homens, rapazes, e raros idosos e, todos, ou pelo menos a maioria, estavam estendidas no chão. Uns com a roupa estraçalhada, outros complementam nus, alguns esparramados sobre as mesas, cadeiras. Assim mesmo, a maioria ainda aguentava o frenético ritmo desembestado da música.
O que é isso? Perguntava. Como fora parar ali? Lembrava que os amigos o convidaram. E onde estavam eles agora? Não os via mais. Será que estavam jogados em algum canto esfarrapados de tanto ouvirem a música? Não sabia. Nisso, surgiu em sua mente conturbada uma ideia. Viu a porta. Estava meio aberta e um raio de luz da madrugada se infiltrava por ela iluminando o corredor. Num esforço, tentando manter o controle sobre os seus movimentos, foi forçando-se a ir para o lado da porta. No entanto, havia uma energia que prendia seus pés, não o deixavam avançar. Com muito custo, entre um passo e outro, conseguiu tirar os sapatos. Com isso sentiu a força brutal que o aprisionava ceder milímetros. Sentiu a fraqueza, sentiu e lentamente, com a planta dos pés doendo, como se pisasse em cacos de vidros, avançar. Sorriu, vou vencer, disse para si. A barriga da perna, dura, latejava em dormência quase causando uma câimbra. Mas, não deu importância, quer dizer, não ligou.
Dessa maneira, com muito custo, passando por corpos estirados em poças de suores e cerveja, foi levando seu esquálido corpo em direção à porta.
Precisava sair do raio da música, não ouvi-la, não adiantava tapar os ouvidos, tinha que sair daquele ambiente, concluiu puxando o ar para o peito pronto a arrebentar. Olhou para o meio do salão e viu homens desequilibrados numa orgia de movimentos ridículos. Perto da porta entreaberta, quase escutando o silencio da madrugada que dava lugar à claridade da manhã, sentiu a energia da música enfraquecendo. Seus braços já não se movimentavam desordenadamente, assim sendo, agarrou a porta e puxou as pernas que ainda teimavam nos passos da música, e num violento esforço, se projetou para a porta afora.
Caiu na calçada úmida da madrugada. Deitado, sentindo o contado do calçamento, acima dele o céu que aos poucos clareava não aguentou nem mais um pouco. Virou de lado e dormiu, dormiu até que o barulho do quotidiano o despertou. Levantou. Sacudiu a poeira da noite anterior. Tomou o ônibus e foi para casa. 

Pastorelli


Seja o primeiro a comentar: