Exausto
Exausto. Era o que estava sentindo. A roupa molhada não pingava, exalava suor quente por todos os poros. Há quanto tempo estava nessa situação? Não podia dizer com exatidão. Apenas sentia o som penetrando na pele, atravessando a carne, moendo os ossos e eletrizando os nervos condutores dos movimentos. Não conseguia parar. As vibrações dos vidros das janelas fechadas, as moléculas das paredes, a estrutura do prédio vibravam junto com ele desenfreados. Seus membros, rebeldes, não obedeciam ao seu comando, se jogavam de um lado para outro desengonçado. Via corpos extremados de cansaço estirados no chão. Alguns ainda gesticulavam os dedos até que estes paravam imóveis no ar.
Uma coisa que ele notou, depois de algum tempo, é que só havia homens, rapazes, e raros idosos e, todos, ou pelo menos a maioria, estavam estendidas no chão. Uns com a roupa estraçalhada, outros complementam nus, alguns esparramados sobre as mesas, cadeiras. Assim mesmo, a maioria ainda aguentava o frenético ritmo desembestado da música.
O que é isso?
Perguntava. Como fora parar ali? Lembrava que os amigos o convidaram. E onde
estavam eles agora? Não os via mais. Será que estavam jogados em algum canto
esfarrapados de tanto ouvirem a música? Não sabia. Nisso, surgiu em sua mente
conturbada uma ideia. Viu a porta. Estava meio aberta e um raio de luz da
madrugada se infiltrava por ela iluminando o corredor. Num esforço, tentando
manter o controle sobre os seus movimentos, foi forçando-se a ir para o lado da
porta. No entanto, havia uma energia que prendia seus pés, não o deixavam
avançar. Com muito custo, entre um passo e outro, conseguiu tirar os sapatos.
Com isso sentiu a força brutal que o aprisionava ceder milímetros. Sentiu a
fraqueza, sentiu e lentamente, com a planta dos pés doendo, como se pisasse em
cacos de vidros, avançar. Sorriu, vou vencer, disse para si. A barriga da
perna, dura, latejava em dormência quase causando uma câimbra. Mas, não deu
importância, quer dizer, não ligou.
Dessa maneira, com muito custo, passando por corpos estirados em poças de suores e cerveja, foi levando seu esquálido corpo em direção à porta.
Dessa maneira, com muito custo, passando por corpos estirados em poças de suores e cerveja, foi levando seu esquálido corpo em direção à porta.
Precisava sair do
raio da música, não ouvi-la, não adiantava tapar os ouvidos, tinha que sair
daquele ambiente, concluiu puxando o ar para o peito pronto a arrebentar. Olhou
para o meio do salão e viu homens desequilibrados numa orgia de movimentos
ridículos. Perto da porta entreaberta, quase escutando o silencio da madrugada
que dava lugar à claridade da manhã, sentiu a energia da música enfraquecendo.
Seus braços já não se movimentavam desordenadamente, assim sendo, agarrou a
porta e puxou as pernas que ainda teimavam nos passos da música, e num violento
esforço, se projetou para a porta afora.
Caiu na calçada
úmida da madrugada. Deitado, sentindo o contado do calçamento, acima dele o céu
que aos poucos clareava não aguentou nem mais um pouco. Virou de lado e dormiu,
dormiu até que o barulho do quotidiano o despertou. Levantou. Sacudiu a poeira
da noite anterior. Tomou o ônibus e foi para casa.
Pastorelli
Seja o primeiro a comentar:
Postar um comentário