quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

A VERDADE DA HISTÓRIA

“ Quanto vale a história no mercado da poesia?”.


Eu sou o passado - leitoso - a derramar-se.
Não a farsa dos intérpretes, estudiosos do agreste,
que dizem ser um enigma o sangue do crepúsculo.
Eu sou uma mão espalmada, cobrindo tudo,
as mínimas expectativas e as pegadas dos sem juízo;
raiz que faz brotar a memória sem pudor.
Eu sou o rompante, o atropelo do que aguarda
e o tropeço do que dispara.
Eu sou rede de arrasto, sou bateia,
sou a peneira a colher os peixes para lança-los no desconforto da irrespirável realidade.
Eu sou a tragédia desperdiçada.
Eu sou o medo que espreita, a seiva do desassossego.
Eu sou a caridade soterrada na imundície dos aterros sanitários,
o cemitério das almas virgens.
Eu sou a testemunha do apocalipse, do flagelo dos excomungados,
do cio das bruxas e suas vassouras a crepitar nas praças.
Eu sou a calma da paisagem deserta, a precisão da gravidade
atraindo os corpos inertes à fuligem do esquecimento.
Eu sou o tormento da palmeira do príncipe no jardim das armas.
Eu sou a dissolução do consenso,
a filigrana que povoa as guerras, a trapaça.
Eu sou o manto da corrupção lançado sobre a verdade,
a dissimulação ao sugerir enganos.
Eu sou a pedra sobre a pedra sobre a pedra
sobre a pedra sobre as presas do Mamute.
Eu sou a paz das naus submersas, a boçalidade das ideologias,
símbolos da miséria e da peste.
Eu sou o elo cravado na carne,
a marca da besta nos braços dos inocentes.
Eu sou o sem paradeiro das andanças e da ambição.
Eu sou a justa trégua em nome da arte.
Eu sou o olhar dos santos.
Eu sou cálculos, aritmética e o alvo.
Eu sou o ressalto antes da queda, a pausa antes do erro, o atropelo.
Eu sou o tempo: duração do perecível papiro nos anais do Universo.
Eu sou cria do homem
e chegarei viva ao amanhecer do último dia.
Poema do futuro livro "XXI" - Jorge Elias Neto
Vitória, 14 de janeiro de 2019

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