O maníaco do
bilhete
Em letras garrafais, caixa alta, leu no jornal da manhã:
O maníaco do bilhete volta a atacar.
A notícia, pequena nota quase ao rodapé da
primeira folha, dizia que o maníaco tinha atacado uma moça na linha de ônibus
Praça do Correio – São Miguel. A moça, loira, busto empinado, vestindo blusa
que deixava a mostra sua barriga lustrosa de pequenos pelos loiros, calça jeans
desbotada, deu queixa na delegacia de São Miguel. Como fora um ato inesperado,
desprovido de qualquer premeditação, na opinião do delegado após ouvir a
declaração da vítima, não pode guardar as feições do atacante que, assim que
jogou o bilhete em seu colo, rapidamente desceu do ônibus.
Largou o jornal em cima da mesa da sala. Ah! Quer dizer que o maníaco atacou mais uma vez! Excelente... Lançou no ar da cozinha cheirando café requentado, um pequeno e curto sorriso de satisfação. Sentou a mesa saboreando o café. A culpa não é dele, bem sabia. A culpa era daquele senhor com mania de escritor, de poeta. Tudo começou quando ele mostrou para o senhor o pequeno conto que escrevera.
Largou o jornal em cima da mesa da sala. Ah! Quer dizer que o maníaco atacou mais uma vez! Excelente... Lançou no ar da cozinha cheirando café requentado, um pequeno e curto sorriso de satisfação. Sentou a mesa saboreando o café. A culpa não é dele, bem sabia. A culpa era daquele senhor com mania de escritor, de poeta. Tudo começou quando ele mostrou para o senhor o pequeno conto que escrevera.
- Lega, está muito bom.
- Obrigado.
- Agora para ficar excelente acho que você
deveria entregar para a musa que te inspirou.
- O que? Entregar para ela?
- É! E porque não? Tem medo?
- Não é medo. Acho que não é direito, ela vai
saber que estou interessado nela.
- E não está?
- Estou...
- Então, não tem nada de mais entregar para
ela, ou será que você é covarde.
- Não sou covarde, disse num tom ríspido.
E dia após dia, perguntava se ele tinha
entregado. Chamava-o de covarde, idiota, bundão e outras coisas mais. Já estava
de saco cheio. Quando uma manhã ao vê-la subir no ônibus acompanhada da amiga,
não resistiu. Lançou a folha no colo da moça e desceu rapidamente. Ao pisar na
calçada, foi tomado por um excitamento do qual gostou. E a partir desse dia,
aprimorou a técnica e passou a ser o maníaco do bilhete.
Voltou a ler a pequena nota no jornal:
“Uma senhora dizia que nos tempos dela isso
acontecia com certa frequência, era comum receber bilhetes declarando paixão,
amor, aventura, mas não desse jeito... onde o maníaco atirava o bilhete sumindo
logo em seguida.”
A polícia pede para quem for atacado novamente,
guarde o bilhete e apresente a delegacia mais próxima. Só assim pegaremos esse
malandro.
Atirou novamente o jornal em cima da mesa. Estirou-se no sofá. Fechou os olhos imaginando o próximo ataque.
Atirou novamente o jornal em cima da mesa. Estirou-se no sofá. Fechou os olhos imaginando o próximo ataque.
Depoimento de Jerome:
A noite estava amena. Mesmo com o verão
chegando ao seu clímax, à temperatura estava meio úmida e fresca, nem quente e
nem fria. Talvez o movimento hoje seja normal, pensei abotoando a jaqueta.
Fechei a porta do vestiário e tomei meu lugar para cumprir o turno. Até parece
que isso é uma prisão, o que, de certa maneira não deixa de ser, disse
mentalmente. A minha função, além de atender, é claro, verificar as mesas se
estão com os saleiros, paliteiros, vinagreiros, os vidros de óleo cheio, se tem
guardanapos de papel, se as mesas e o chão estão limpos... Coisas corriqueiras
como costumo dizer.
Quando iniciei o turno havia apenas dois casais
de namorados sentados, um no meio e o outro no fundo da lanchonete. Portanto,
tudo calmo. Engraçado como o paulistano gosta de comer, parece que não tem
outro lugar, outro passeio além de restaurantes e lanchonetes. Bom ainda bem,
não é? – pensei olhando para o cardápio que coloquei em cada mesa. De repente,
sem atinar como, a lanchonete estava repleta. Lá fora começava a formar uma
pequena fila de espera. Não sabia se isso era bom ou não, mas comecei a notar
que a frequência estava aumentando, não era a mesma desde que comei a trabalhar
aqui. Bom para o patrão, ruim para nós que temos o serviço dobrado. –
resmunguei para mim mesmo.
Tenho o costume ao atender olhar nos olhos das pessoas. Não tenho memória fotográfica, mas costumo lembrar-me dos acontecimentos, de tudo que tenha passado durante o turno todo. No entanto aquela noite, mais propriamente de madrugada, pois achei que tivesse sido de madrugada, isto porque o movimento maior começou perto da meia-noite. Por mais que me esforce não consigo recordar se tinha alguém, homem ou mulher, sozinho. Acho que todos estavam acompanhados.
Tenho o costume ao atender olhar nos olhos das pessoas. Não tenho memória fotográfica, mas costumo lembrar-me dos acontecimentos, de tudo que tenha passado durante o turno todo. No entanto aquela noite, mais propriamente de madrugada, pois achei que tivesse sido de madrugada, isto porque o movimento maior começou perto da meia-noite. Por mais que me esforce não consigo recordar se tinha alguém, homem ou mulher, sozinho. Acho que todos estavam acompanhados.
Assim, do bilhete lembro sim. Estava
registrando um pedido quando senti tocarem meu ombro.
- Por favor.
- Sim.
- Poderia entregar esse bilhete para aquela
loira acompanhada daquele rapaz?
- Pois não.
Preocupado em anotar o pedido com medo de
errar, não prestei atenção ao rosto do rapaz. Peguei o bilhete e entreguei a
moça. Esta, surpresa, olhou o pequeno papel dobrado, perguntou:
- O que é isso?
- O que é isso?
- Um bilhete para você.
- Para mim?
- Sim
- Quem mandou?
- Foi aquele rapaz... – respondi procurando
onde estaria sentado o rapaz. Não achei. Fiquei sem saber o que responder.
- Tudo bem, obrigado.
Foi nesse instante que caiu a ficha: seria o
maníaco do bilhete? Voltei aos meus afazeres. Não dei importância e não prestei
mais a atenção à loira e seus amigos. Dali a instantes começaram a alterar as
vozes, pouco dava para perceber o que diziam, pois servindo as mesas não tinha
como prestar a atenção. Por fim, pediram a conta, pagaram e saíram, brigando
não mais com palavras alteradas, mas com as vozes brandindo um ao outro a raiva
e indignação. O carro saiu do estacionamento cantando pneu.
Depois a madrugada, pois já era mais de duas
horas, transcorreu na maior calma.
Paul estava preso. Não sabia como. Precisava escrever sobre o assunto para não ficar angustiado como das outras vezes, se livrar daquela prisão. A única maneira de colocar para fora do íntimo à influência do que sentia. Ou talvez, a forma como vinha sentindo as coisas que lhe acontecia inesperadamente. Tentara de várias maneiras livrar-se da prisão e, a melhor que achou foi escrever, assim se sentiria livre daquele merda de poeta que o jogou nesse mundo de bilhetes frenéticos. Momentos havia que só o escrever não o ajudava em nada, se aboletava no banquinho do bar e enchia a cara projetando seu carma holográfico em várias esquinas usufruído nas sextas-feiras.
Observou os sentimentos variados sem a
possibilidade de estar perdido procurando apoio num alicerce cerebral
enfraquecido. Viu apenas um objetivo. Teria que escolher a próxima vitima.
Pensou ter em mente a pessoa certa, porém concluiu que o melhor seria sair aleatoriamente,
escolher um ambiente, lanchonete, restaurante ou mesmo bar, e caçar a vitima no
seu próprio habitat.
Tomou banho solitário ao expelir o líquido da vida que, junto com a água cheia de espuma, desceu para o ralo. O tremor dos músculos tenso o dominou. Enojado do que fizera, desligou rapidamente o chuveiro, se enxugou e saiu. No quarto o silêncio da água pingando do corpo o deixou apaziguado.
Tomou banho solitário ao expelir o líquido da vida que, junto com a água cheia de espuma, desceu para o ralo. O tremor dos músculos tenso o dominou. Enojado do que fizera, desligou rapidamente o chuveiro, se enxugou e saiu. No quarto o silêncio da água pingando do corpo o deixou apaziguado.
Rodou o carro sem destino certo. Virou a
esquerda, depois à direita, foi em frente, parou num bar tomou um café, e ao
passar por uma grande avenida foi que notou a lanchonete. Permaneceu por
instantes admirando-a. Bonita, com traços arquitetônicos simples e atraentes.
Mas o que mais chamou sua atenção foi à pequena fila que se formava. Deixou o
carro no estacionamento e aguardou. Assim que um grupo de pessoas entre moças e
rapazes se postou no final da fila, se aproximou e, ficou ali, parecendo que
estava com eles. Teve a sorte de o garçom ter colocado-os numa mesa próximas. O
plano estava dando certo. Agora era só pesquisar a vítima.
Devagar conduziu os olhar em linha reta, de onde estava até a porta, depois virou para a direita, percorreu toda a extensão, em seguida, numa diagonal cheia de obstáculos, notou a loira acompanhada de uma morena. Talvez, amigas. Achou o que queria. Fez o pedido. Enquanto esperava, foi arquitetando como agiria a partir desse momento. Primeiro teria que forçá-la a olhar para ele, notar sua presença. O que não foi nada difícil. Pois na primeira cruzada de olhares, lançou a isca e, ao que tudo parecia, a presa fora fisgada. O que ele não contava foi com os dois rapazes que apareceram, talvez estivessem na toalete. Droga! Merda tenho que mudar os planos, não. Nada disso, vou seguir com o planejado, rugiu silencioso.
Devagar conduziu os olhar em linha reta, de onde estava até a porta, depois virou para a direita, percorreu toda a extensão, em seguida, numa diagonal cheia de obstáculos, notou a loira acompanhada de uma morena. Talvez, amigas. Achou o que queria. Fez o pedido. Enquanto esperava, foi arquitetando como agiria a partir desse momento. Primeiro teria que forçá-la a olhar para ele, notar sua presença. O que não foi nada difícil. Pois na primeira cruzada de olhares, lançou a isca e, ao que tudo parecia, a presa fora fisgada. O que ele não contava foi com os dois rapazes que apareceram, talvez estivessem na toalete. Droga! Merda tenho que mudar os planos, não. Nada disso, vou seguir com o planejado, rugiu silencioso.
Saboreava o lanche se preparando para o momento
certo. O lanche estava muito bom, preciso vir aqui outro dia com mais calma,
sentir melhor o sabor, pensou sem se descuidar. Ainda bem que o rapaz estava de
costas para ele. Quando seu olhar cruzou com o dela, Paul sentia a eletricidade
correr pela espinha como à língua úmida lambendo a pele. Era como se seus
lábios vagarosos, depositasse em seus olhos um beijo sedutor. Deslizou uma das
mãos para baixo da mesa. Prendeu a respiração, e, soltou logo depois em
golfadas pequenas. O momento era esse, sussurrou levantando-se.
Fechou a conta, passou pelo garçom pedindo para entregar o bilhete e saiu. Postou-se num lugar onde poderia ver o que aconteceria. Orgulhoso e excitado, prestou atenção quando o bilhete foi entregue para ela. Denotou seus olhos vasculhando o ambiente para saber quem poderia ser o remetente. O rapaz arrancou o papel da mão da loira, falando, gesticulando todo ciúme. Brigavam, vamos esperar para que termine como foi planejado, pensou Paul. Nisso, xingando um ao outro, saíram da lanchonete.
- Já te disse que não sei quem é?
Fechou a conta, passou pelo garçom pedindo para entregar o bilhete e saiu. Postou-se num lugar onde poderia ver o que aconteceria. Orgulhoso e excitado, prestou atenção quando o bilhete foi entregue para ela. Denotou seus olhos vasculhando o ambiente para saber quem poderia ser o remetente. O rapaz arrancou o papel da mão da loira, falando, gesticulando todo ciúme. Brigavam, vamos esperar para que termine como foi planejado, pensou Paul. Nisso, xingando um ao outro, saíram da lanchonete.
- Já te disse que não sei quem é?
- Ah! Não sabe quem é! Como é inocente! Nem
demonstrou surpresa ao ler o bilhete.
Entraram no carro. O rapaz ligou, acelerou,
mudou a marcha e os pneus cantaram em direção à saída do estacionamento. Paul
correu para o seu, ligou, acelerou, mudou a marcha e sem que os pneus cantassem
seguiu-os. Esse negócio de seguir, ver, presenciar a agitação, fazia a
adrenalina subir num regozijo extremo. O carro a sua frente, guinando ora para
a esquerda, ora para direita, indicava que os dois ainda discutiam. Sorriu
contente, mais uma vez o show se completava, mais uma vez dormiria satisfeito.
Nisso o carro deu uma guinada, bateu com o pneu
na guia da calçada, e capotou girando várias vezes. Paul brecou, desceu.
Estático presenciou até que o veículo parou com as rodas para cima. O coração
agitado, batendo compulsivamente, Paul se aproximou. O que viu o deixou
alegremente satisfeito. O rapaz estava com a direção enterrada no peito. A
loira gemia num tom seco, pouco audível. Paul foi para o outro lado e viu o
rosto bonito todo desfigurado. Seus olhos ainda brilhavam. Abaixou-se até ficar
com o rosto dele encostado ao chão. Aproximou-se mais que pode e beijou aqueles
lábios machucados. Beijou sugando o prazer do sangue quente satisfazendo-o
virilmente.
De repente ouviu o gritar da sirene.
Levantou-se rapidamente. Não poderia deixar-se pegar. Foi quando viu nas mãos
do rapaz o bilhete. Deu a volta e arrancou o papel da mão do rapaz. Correu para
o carro, deu a ré, entrou na transversal ganhando a escuridão da madrugada.
Jerome prestando atenção nos afazeres ouviu no noticiário local a reportagem do acidente. A princípio, tomado pela surpresa, não soube o que fazer. Desorientado foi até o telefone, fez menção de discar, desistiu, voltou para a sala, olhou para a televisão esbravejando notícias... Tinha noção de alguma coisa, não sabia o que era. O que impulsionou a ter essa noção? Talvez certa lembrança da época em que trabalhava as sextas-feiras. E, como toda a sexta-feira, o movimento era mais intenso, dia em que os solitários procuram preencher o vazio na companhia dos amigos ou, na companhia de desconhecidos na esperança de aventura ou sei lá o que. O rapaz do bilhete, como ele chamava, se acomodava no banquinho costumeiro, e até meia noite mais ou menos, bebia seu chope todas as sextas-feiras. Quando completava seis chopes, pagava a conta, escrevia o bilhete, pedia para Jerome entregar para a pessoa que ele escolhera. Jerome atendia ao pedido. Nunca tivera a curiosidade em saber o conteúdo dos bilhetes. Será que era a mesma pessoa? A morena de boca larga dissera que fora encontrado na mão do motorista pedaço de papel, o qual, o delegado imaginava fosse de um bilhete. Uma testemunha ocular informou que vira uma pessoa se aproximar do veículo tombado, e , ao ouvir a sirene da policia, fugira apressada. Deveria ligar para o delegado? Lembrava bem do casal, pois assim que entregara o bilhete começaram a discutir acaloradamente. Era impossível esquecê-los. Já o cara que pediu para entregar o bilhete, não o reconheceria.
Os rostos, esquisitos, meios deformados na televisão, instigava para que telefonasse ao delegado. No entanto tinha a divida noção que, se o fizesse perderia o sossego. Seria obrigado a dar depoimento, além de sofrer a pressão por não se lembrar da fisionomia do maníaco do bilhete. O que deveria fazer?
Quando Walker entrou na lanchonete, Jerome estava no fundo da loja arrumando as últimas mesas. De onde estava, viu a figura estranha pedindo informação para a moça do caixa. Maria ao ouvir a voz firme se sobressaltou Engoliu o susto junto com o pensamento, e apontou para o fundo da loja. Jerome sem parar de trabalhar, presenciou toda cena.
- Bom dia, Sr.
Jerome?
- Bom dia, senhor...
- Walker
- Pois não, o que
senhor deseja.
- Podemos conversar
num lugar mais sossegado?
- Um momento.
Inclinando o corpo
por cima do balcão, gritou um nome:
- Jean, por favor,
pode vir até aqui.
- O que deseja,
disse Jean com seus um metro e setenta, feições de fuinha, com um bigode que
descia pelos lados dos lábios, formando um cavanhaque em baixo do queixo.
- Fique aqui um
pouco. Tome conta enquanto converso com esse senhor.
- Está bem, não demore.
- Está bem, não demore.
- Pode deixar.
Voltando a atenção
para Walker disse:
- Vamos andando,
Senhor...
- Walker.
- Ah, sim, desculpe,
vamos andando então, Senhor Walker.
Entraram numa
pequena sala onde se via uma estante ao fundo abarrotada de livro e no centro
uma mesa e duas cadeiras e mais nada.
- Por favor, sente, disse Jerome.
- Por favor, sente, disse Jerome.
- Obrigado,
respondeu Walker relanceando os olhos pela sala.
- Creio que o senhor
veio por causa do meu telefonema.
- Sim. E gostaria de
saber por que telefonou?
- Bem, para ser
preciso nem eu mesmo sei por que telefonei.
- Nesse caso não sei
do por que estarmos falando, não é?
- Espere, deixe
expor para o senhor. Depois me dirá o que acha.
- Então diga, estou
ouvindo.
- Antes de trabalhar
aqui, trabalhava no bar Corsário...
- Sei onde fica esse
bar.
- Não existe mais,
fechou.
- Não sabia.
- Trabalhava das
seis as três ou quatro horas da madrugada, dependendo do dia, fechando sempre
com o último freguês. E toda sexta-feira aparecia um cara quieto, não falava
com ninguém. Chegava pedia um chope e ficava bebendo até meia noite. Não
passava de seis chopes por noite.
- Sim, e daí?
- Espere. Ele tinha
uma mania. Quando chegava perto da meia noite, escrevia um bilhete e pedia para
que eu entregasse para determinada pessoa, claro, que toda sexta feira era uma
pessoa diferente, nunca a mesma.
- Interessante. Quer
dizer que ficava bebendo até meia noite, escrevia o bilhete e pedia para você
entregar?
- Isso mesmo.
- E o que ele
escrevia nesses bilhetes?
- Não sei, nunca
tive curiosidade em ler.
- Não conversava com
ele?
- Não, e ele não
conversava com ninguém.
- Interessante. E o
que esse cara tem haver com o maníaco do bilhete?
- Achei que pudesse ser a mesma pessoa. Pois esses dois que morreram, que a televisão não para de falar estavam aqui naquela noite, e um cara pediu para que eu entregasse um bilhete para a moça.
- Como? E como era esse cara?
- Achei que pudesse ser a mesma pessoa. Pois esses dois que morreram, que a televisão não para de falar estavam aqui naquela noite, e um cara pediu para que eu entregasse um bilhete para a moça.
- Como? E como era esse cara?
- O de agora ou
outro?
- Bom, os dois.
- Olha o outro era
baixo, magro, quieto, loiro, não dava para ver seu rosto, suas feições, pois
como sabe o bar não tinha muita iluminação, era um ambiente para encontros, sei
é que me entende.
- Entendo.
- Entendo.
- E depois, não dava
para ficar parado, conversando, tinha sempre que atender um e outro ao mesmo
tempo.
- Sei. E quando foi
isso?
- Bem, um ano atrás.
- O senhor acha que
pode ser a mesma pessoa?
- Tudo é possível.
- E o cara de agora
que pediu para você entregar o bilhete para a moça?
- Olha, não sei, não prestei muita atenção. Não sei por que aquela sexta-feira estava uma noite muito agitada. Se aqueles dois não brigassem passariam despercebidos.
- Olha, não sei, não prestei muita atenção. Não sei por que aquela sexta-feira estava uma noite muito agitada. Se aqueles dois não brigassem passariam despercebidos.
- Entendo. Ele
estava sozinho?
- Não, acho que
estavam com uma turma de rapazes e moças. Naquela noite não tinha ninguém
desacompanhado.
Nisso abriram a
porta abruptamente.
- Desculpe, não
sabia que você estava aí.
- Já estamos saindo,
disse Jerome.
Assim que a porta
foi fechada, Jerome disse.
- Bem, senhor Walker
espero que tenha ajudado em alguma coisa.
- Ajudar não ajudou muito, mas como você deve saber, pois vejo que tem uma coleção enorme da Rainha do crime, digo: tudo, até mesmo uma informação que nada tem com a investigação é válida.
- Esses livros não são meus, são do meu chefe, isto é, do gerente.
- Qual o nome dele?
- Ajudar não ajudou muito, mas como você deve saber, pois vejo que tem uma coleção enorme da Rainha do crime, digo: tudo, até mesmo uma informação que nada tem com a investigação é válida.
- Esses livros não são meus, são do meu chefe, isto é, do gerente.
- Qual o nome dele?
- Nilson Davanço.
- Nilson Davanço?
Que nome mais esdrúxulo, não acha?
- Não posso dizer
nada, veja o meu: Jerome.
- É cada um tem o
nome que merece.
- Falou e disse
senhor Walker.
- Obrigado pela
informação. Se precisar posso falar com você novamente?
- Claro, estarei sempre aqui depois das dezoito horas.
- Claro, estarei sempre aqui depois das dezoito horas.
- Falou Jerome.
Passar bem.
- Passar bem, senhor
Walker.
Assim que o delegado
saiu da lanchonete, Jerome chamou:
- Zeca, pode vir, vamos pendurar essa faixa antes que o chefe chegue.
E quando o chefe chegou e abriu a porta do seu pequeno escritório, emocionado leu a faixa pendurada na estante:
- Zeca, pode vir, vamos pendurar essa faixa antes que o chefe chegue.
E quando o chefe chegou e abriu a porta do seu pequeno escritório, emocionado leu a faixa pendurada na estante:
“Parabéns, senhor
Nilson Davanço, felicidades é o que desejamos. Assinado: seus funcionários
dedicados.”
Paul se jogou no sofá. Lançou no espaço um longo suspiro. Esticou o braço, pegou o controle, ligou o som e a música invadiu os meandros escuros.
Por tanto amor, por tanta emoção
A vida me fez
assim
A vida. A vida. O que é a vida? Para que serve a vida? O que ela me trouxe ou o que ela me deu? Nada. Nada. Nada tenho da vida a não ser esse longo e tenebroso respirar que queima os sentidos. A vida é um amontoado de sentimentos que serve apenas para retalhar a carne. A vida... Que merda!
Doce ou atroz, manso ou feroz
Eu, caçador
de mim
Gostava desse trecho quando Milton com a voz potente, a melhor voz que já ouvira, em sua opinião, soltava a frase: doce ou atroz, manso ou feroz, eu, caçador de mim. Era como fagulhas incandescentes imprimindo na pele impotente e fraca. Na cozinha abriu a geladeira. Estava quase vazia, tinha que comprar muita coisa, principalmente cerveja. Pegou uma e voltou ao sofá.
Preso a canções
Entregue a
paixões
Que nunca
tiveram fim
Vou me
encontrar longe do meu lugar
Eu, caçador
de mim
Preso a vida se entregava com paixão aos movimentos dos passos manso ou feroz. Pressentia que nada há para temer, no entanto guardava o sentir na parede do quarto com o maior temor.
Entrou no quarto. Relanceou os olhos pela parede toda forrada de pequenos recortes de jornais, vários bilhetes ordenados por datas. O seu segredo. Segredo guardado por vários anos. Ali estava do primeiro ao último bilhete que escrevera. A princípio timidamente foi só para assustar, reconhecia, depois foi se aperfeiçoando até sentir o requinte do último entranhado na pele. Foi com satisfação que viu os corpos embaixo do carro. Sentiu-se pleno e satisfeito ao beijar aqueles lábios femininos ainda quentes de sangue. Ah! O prazer que sentiu!
Ao lamber
carinhosamente cada bilhete e cada pedaço de jornal onde cada ataque era
mencionado, quase que detalhadamente, enchia-o de prazer, era outra pessoa, não
era mais o cara tímido, fraco, humilde como...
- Paul, Paul, chegou
outro bilhete. Deve ser da tua mãe.
Nos seus dez ou doze
anos de desgosto, correu todo feliz, achando que o bilhete lhe traria alguma
alegria. E qual não foi sua decepção. Sua mãe mais uma vez o deixava para traz,
o deixava nas mãos de estranhos. Nunca recebera dela atenção nenhuma, nem uma
palavra, nem abraço. Eram bilhetes e mais bilhetes. E todo esse ano guardou os
bilhetes, todos eles, sem exceção. Ali estavam eles alinhados na parede do
quarto, recebendo a fria umidade da parede. Alguns estavam com manchas de
bolor, outros ainda estavam intactos, dava para ler as palavras no garrancho
meio que desleixado da mãe. Tinha um especial. Esse ele não desfazeria dele
nunca.
Estava brincando na
sala quando ouviu barulho de carro sendo estacionado.
- Minha mãe, gritou todo eufórico.
- Minha mãe, gritou todo eufórico.
Correu ao encontro
da mãe, mas não viu carro nenhum. Voltou triste e solitário aos seus
brinquedos. Instantes depois, a empregada lhe entregava um bilhete. Da sua mãe
se desculpando mais uma vez por não conseguir ser mãe. Enfiou o bilhete no
bolso e continuou com seus únicos amigos: os brinquedos. Fazia já um tempo
grande que brincava quando viu a empregada subindo as escadas com uma bandeja
de café. Estranhou, como poderia se estava ele e a empregada somente em casa!
Com o coração batendo esperou que ela descesse. Foi o que aconteceu. Ela desceu
sem a bandeja. Isso fez supor que sua mãe estava lá em cima. E por que não o
chamou? Subiu a escada de dois em dois degraus. Chegou à porta do quarto da
mãe. Abriu. Seu coração parecia explodir. Seus olhos brilharam fora das
orbitas. Suas mãos tremeram.
- Mãe..., gritou.
- Mãe..., gritou.
E não pode acreditar
no que via. Havia um homem junto com a mãe deitados na enorme cama. Louco de
raiva, pois sua imaginação concluiu: o culpado era aquele homem que lhe roubava
a mãe. Correu, pegou a primeira coisa que sua mão conseguiu pegar e desferiu um
golpe na cabeça daquele homem que não sabia quem era. O sangue jorrou
encharcando tudo. Histérica a mãe gritava como louca, gritando que o filho era
louco. Paul correu para a mãe implorando:
- Mãe sou eu. Eu te salvei. Eu te salvei.
- Mãe sou eu. Eu te salvei. Eu te salvei.
Porém a mãe o
empurrou, gritando como louca. Depois disso, Paul não se lembrava de nada. Por
muito tempo ficou num local todo branco, onde só tinha gente vestido de branco
e, todos os dias, era obrigado a tomar de hora em hora um remédio amargo.
Quando saiu estava com mais de vinte anos.
Em letras garrafais todos os jornais estampavam a mesma notícia, apenas mudando um pouco o enfoque:
Preso o maníaco do bilhete, leia a notícia na página...
Conforme a declaração do delegado Walker, o maníaco do bilhete foi pego em flagrante. Depois de vários estudos, tanto psicológico como intelectual, sobressaindo o estado paranoico esquizofrênico do criminoso, o delegado montou um esquema bem elaborado e, com a participação de seus comandados, foi possível prender o meliante. Segue abaixo uma declaração do próprio delegado Walker.
- Só conseguimos pegar Paul Walinder depois de um estudo elaborado pela psicóloga Rosangela Norbete, e, com os dados minuciosos desse estudo é que montamos o esquema de prisão. Assim fomos andando com as investigações onde descobrimos fatos esclarecedores surpreendentes. Como todo criminoso tem seus passos preso ao passado, na raiz familiar, Paul Walinder tinha o seu. Descoberto a raiz e o porquê de suas ações foi fácil prendê-lo. Desde o segundo, vamos dizer ataque, fomos seguindo seus passos, claro que meio que sem regras, mas depois do terceiro ataque, é que conseguimos analisar sua conduta e seu modo de agir. Para melhor esclarecimento passo à palavra a psicóloga Rosangela Norbete.
- Como disse bem o
delegado Walker, fomos andando com as investigações e, por que não dizer, com
algumas experiências. Somando as investigações e as experiências, destacamos
vários elementos perigosos e elucidativos até a prisão de Paul Walinder.
Descobrimos ser ele filho da grande atriz falecida há cinco anos, Julia
Walinder e do grande arquiteto Oscar Walinder. A mídia em geral sempre fomentou
a existência desse filho, mas nunca podia comprovar. Investigando aqui e ali,
soubemos da existência de um diário de Julia. Com certos movimentos de
persuasão conseguimos ter acesso a esse diário. Lendo com o maior cuidado,
descobrimos que Paul Walinder nunca soube da existência do pai. Nunca procurou
saber se ele existia ou não. Nunca teve contato com a mãe, pois não o
reconhecia como filho. Sempre detestou crianças, conforme suas entrevistas. Assim,
Paul Walker foi criado pela governanta que volta e meia lhe mandava bilhetes
como se fosse da mãe. E, naquele dia fatídico, Paul Walinder pensando que a mãe
corria perigo, ao ver os dois na cama, sem saber, com o taco de golfe, matou o
próprio pai na tentativa de salvar a mãe, como as testemunhas disseram no
julgamento. Tresloucada a mãe que, já não reconhecia o filho, passou a odiá-lo
internando o pobre coitado. Logo a morte de Julia Walinder, o sanatório não
tinha mais como manter Paul em suas dependências, com um laudo fajuto, deu alta
a um doente que nunca deveria ter alta. Dessa maneira, Paul carregando sem
saber a fama de parricida, desprezado pela mãe, providenciou para que todos os
namorados e, principalmente as namoradas que fossem parecidas com a mãe deviam
morrer. Como sempre a vida toda recebeu bilhetes achou que os jovens namorados
deveriam receber um bilhete antes de morrer. Completamos todas as suas
características assassina ao vermos em sua casa, a parede toda forrada de
bilhetes que escrevera e bilhetes que recebera da mãe. O resto vocês conhecem e
não preciso mencionar os fatos.
Menos de um mês
depois ninguém mais lembrava quem fora o Maníaco do bilhete.
Pastorelli / Jean Alzair
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