sábado, 18 de maio de 2019

1

ILHADO NO SEM TEMPO






Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.
Manuel Bandeira


Há dias em que a vida que pulsa dentro da gente, parece ser maior do que a dimensão do corpo. Ao abrir a janela, o cinza está espalhado pela paisagem, a chuva que deixa a cor do asfalto mais viva, é a mesma amplia a vontade de ficar dentro de casa, trancado dentro do corpo e refém da própria cabeça. 
Visito a rua onde cresci com os passos imprecisos da mente. Sete é o número pelo qual a identificavam antigamente, sete dias de Deus para fazer o mundo, para que cada semana acabe com a falsa sensação de que o depois será só um sábado eterno.
Eu sei qual é a cara de um assassino, como ele se forma e deforma a rota de outras vidas. O rapaz bonito por quem as meninas enlouqueciam, morava quase em frente a minha casa, ele matou o tio da mulher com quem me casei, um daqueles segredos que muita gente conhece, mas insiste em chamar de segredo.
O tempo é uma vassoura de quem não se conhece o próximo movimento, eu o vi parado me olhando nos cabelos brancos e silêncio do meu pai.
Muita gente não está mais lá na rua em que cresci, uma vez meu pai me disse que tem que sair gente do mundo, para que outros entrem. Mas o cemitério da memória, às vezes é o meio do caminho-labirinto entre lá e aqui, deixando a gente ilhado no sem tempo.
Agora enquanto tento terminar este texto que não é literatura, o amarelo da parede, do outro lado da rua, me faz pensar nos girrassóis de Vincent, o corpo não suporta o peso da beleza. É um pouco mais da metade do mês de maio, as flores que recebem o nome deste mês não merecem a tristeza, quando florescem e tentam salvar o mundo do embrutecimento.


1 Comentário

ligia

Texto de uma melancolia lírica, uma tristeza esboçando um fio de esperança nesta tarde fria e chuvosa de maio de um ano quase morto...
Ligia regina