O próximo instante é o desconhecido, com essa música clariciana agitando as
cordas tendíneas deu o primeiro passo sem fazer caso de qualquer direção a
tomar. Assim seguiu até quando começou a se perguntar pelo ritmo circadiano dos
girassóis.
– Não é curioso que os organismos se
adaptem às mudanças diárias da luz? – pensou equilibrando entre os dedos o
alboroto de uma imagem que não se formava. Na verdade, se adaptam aos que os
especialistas chamam de agente sincronizador, que pode tanto ser a luz, como a
água (marés), o ar, etc., ou seja, qualquer elemento que tenha a força
suficiente para compor uma ritmicidade entre as forças heterogêneas de um
espaço (o espaço é uma molécula de sensibilidade). Que a vida tenha uma
estrutura cíclica não quer dizer que ela seja igual a cada dia, porque o que se
repete é o movimento de diferenciar; girar é abrir um tempo-aqui, tempo que
vibra em torno de sua fissura, tempo-espaço descosturado das origens, original.
– Dar o primeiro passo é esquecer o
caminho – disse ela sem saber em que comprimento de ondas acomodar as palavras
– começar é eliminar todos os pressupostos; começar emerge de um ponto cego
onde explodem os nomes e as coisas exigindo que o pensamento estenda um
território além daquilo que se sabe; caminhar é o delírio do passo, do limite,
é uma desmesura. O traço, o rastro da vista faz visível e deixa invisível o
gesto e a gestação – foi o que ela conclui ao perceber que havia chegado no
alto de uma montanha. Sigo algo que há que criar e que nomeia um processo –
completou como maneira de encarar a beleza vegetal que enroupava as pedras do
espinhaço. O vento pousou nos seus cabelos desenhando redemoinhos perfeitos: ciclos
abrindo outros ciclos, circulação, fluxos. Será que dentro de um milhão de anos
se poderá ver o ventre mole e fluido que sustenta a carcaça geológica das
rochas? - insistitiu, olhando com muita
ternura o pigmento amarelo depositado na passagem de insetos, bactérias e
fungos pelos limbos das folhas.
Quando a ventania agita a folhagem é
possível acompanhar a oscilação da vegetação entre um fechamento territorial e
uma abertura cósmica (dualidades ondas-partículas simultaneamente dadas). O
produto desse mecanismo não é manipulável, é a pulsação das coisas, a malha
sensitiva do movimento. Cada fenômeno, diz Simondon, é uma exigência de
manifestação amplificante no qual cada realidade local se comunica com o universal,
no qual cada instante é a origem de um eco que se multiplica diversificando-se.
O próximo instante é o desconhecido;
átomos de sensações que latejam provocando perturbações nas realidades,
comunicando o impossível. Esse lugar é tão antigo que me dá a impressão que é a
primeira que vez estou aqui: um tempo nascente que se extingue sem esboço, sem descrição,
sem conhecimento, nos polirritmos caósmicos do momento, hic et nunc – foi o que ela acabara de aprender, ali, de pé como um
talo de girassol diante da montanha descomunal, corcunda, ancestral, inaugural,
sensível e atenta à alegria infatigável do vento que faz retornar o incógnito
sopro dos astros e dos magmas.
Este post pertence ao projeto : Um diálogo entre
uma imagem criada por mim (Fernando Rocha) e
um texto literário. O texto foi criado por Carla Carbatti, que em suas próprias
palavras é: sou qualquer carla, como tantas Carlas que há, filhas de Marias. nasci
onde brilham as estrelas de Três Pontas e jorram luz até BH. disse amor e
atravessei o Atlântico. hoje habito um Campus Stellae. amo, amo demasiado
duas menininhas de olhos acastanhados, mais brilhantes que o sol. nos feriados
solto pipas e escrevo com todos os átomos. nos dias de feira faço um mapa losing
stepsdas heterotopias de Clarice, pra isso que chamam de tese, mas eu chamo
mesmo é de saltar no abismo com um verbo infinitivo nos lábios ...
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