quarta-feira, 28 de dezembro de 2011


I -  PASSAGEM

12.


-
-         Se pudesse, lavrava a aurora e te levava comigo na manhã da terra pura.
-         Me leve para aonde quiser. Sei te acompanhar, embora nem sempre você me veja.
-         Sou Sol e sou pétala. Quando amanhecem as cores no templo me pergunto porque, se as plantamos, as colhem em outras fontes e dádivas.
-         Você colheu, por mais de uma vez, no solo de outros. Tua colheita, agora, é o plantio, o regar. Não é melhor?
-         É ou não. Por que não vão para o vento as dúvidas e suas prioridades?
-         Porque você crê que elas te fornecem a vida. Ou, ainda, porque se vê na necessidade de fermentar o solo.
-         Quem são os deuses?
-         Os serenos, os que não se importam. Os que te deixam, virgem e vadia, acompanhá-los em seu brincar no tempo.
-         Porque canta o sol e enfeitiça a lua, e varre contra o tempo a cadência que fluí ou arromba, mas retorna e percorre a alma.
-         E as estrelas... na dúvida, volte para elas. Quando a terra não nos diz suas entranhas, fazemos do céu e sua plenitude a mente e o cajado. E sentamo-nos, à noite, no terraço, envolvidos nas cento e vinte brincadeiras.
   Abraçaram-se. Fundiram-se e ficaram único ventre, uma transpiração de espectros e auras que bordejava a serenidade e o descanso. Ela gostaria que ele fosse o único santo a ditar a auréola.
-         Sou tua e sou livre e sou dona. E não mais me espanto.
-         Já não nos ameaça a larva  e a chama.
-         A morte?
-         Será branda e finita. O pouso é o vôo, a chama é a ternura, o ventre é o voto. De nada mais precisamos. Somos chefes para começar um canto e sua dança. Agora flutuemos.
   Passearam na rampa da vida e a espiral de marte já não os corrompia. Era a iniciação na Ave Loura da ventura.
-         Os gratos e satisfeitos frutos da aceitação de que falavam os Mestres.
-         Benditos senhores de estabilidade e garantia de vida.
-         No magneto, seus mantos entoam uma súplica em nossa homenagem.
-         E somos verdes e vastos. Não nos compromete a sina e a forma que demos a essa vida. Podemos florescer em qualquer ventura que escolhermos.
-         E podemos sossegar?
-         E não estamos?
-         A inquietude da paz.
-         Tua, e esqueça-a, porque se amanhã se renova a fonte ou o desafio, você deve continuar maga e menina para bem dançá-la.
-         E você um garoto de mais de mil anos.
-         E o sou, com a vantagem do conhecimento das leis e suas seguranças.
-         Quando se deve morrer?
-         Quando todas as perguntas estiverem respondidas, e integradas em nosso centro as suas respostas, de forma que não saibamos aonde colocar o ponto de interrogação e respaldar a afirmativa. Serenos, despregaremos estrelas em direção à razão e suas voltas.
-         Em suma, parece que tudo se resume em nada, e que o mais longo e árduo caminhar de um humano é um ponto de exclamação no infinito do Cosmo.
-         E o prazer do nada é a ânsia pelo tudo, o desejo desvairado que se consome na inútil busca das paixões e seus intrincados descaminhos. Estivemos em boa parte de nossas vidas envoltos a fortes provações e emitíamos o rugido de suas forças essenciais. Estamos destinados, porém, a tornarmo-nos estrelas de campo farto e amarelo.
-         Será?
-         Anjo ou demônio, vertente ou vazante, que nos importa? A largada da consciência se fez dessa maneira. O nosso inconsciente nunca mais poderá ignorar as irremediáveis sanções a que nos submetemos.
-         Mas, quando estamos revirados e acionados nelas, a solução e a mudança de platô parecem insofismáveis e até impossíveis.
-         Porque supomos soluções como conseqüências de um estágio, e apenas na vivência dos ritmos e paragens nos resolvemos. Encerramos quando esquecemos ou nos desinteressamos.
-         E sobre o que nos reportamos?
-         Sobre vácuos ou concretos que supomos úmidos e intrínsecos. Somos o que temos e fazemos. É importante ainda?
-         Não. Espere que te retornem as importâncias.
-         Por que supõem os homens que sabemos? Por que transparece de nossos gestos um conhecimento que não temos?
-         Porque já sabemos que não se sabe, apenas se arma a guarda e se transcreve para símbolos e fatuidades humanas as explosões, silêncios e movimentos que a matéria e o arquétipo revelam.
-         Podemos pegar a flor da alma, seu desejo pelo plantio e vida, e aí sim, fazer uma real imagem de paz e felicidade.
-         Muito bem minha maga. E só estivemos encarnados e solidificados para o transcorrer dessa força que domamos. Em seu imenso ciclo a terra a receberá em campos que ajudamos a depurar.
-         O segredo do mago é sempre a entrega, mesmo quando está no comando do indômito e suas refregas.
-         Se continuar assim logo serei o aluno e te sentarei em meu plano de advertências.
-   Preparamo-nos para uma nova nave e, sei, que poderemos sempre  trocar  e versejar esses segredos que nos fazem as margens do tempo.

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