sexta-feira, 28 de junho de 2019


Continuando o que dizer – 1.

A vizinha hoje não abriu a janela com estardalhaço. Talvez por causa da pequena chuva – pequena chuva! -, vamos dizer: fina garoa que cai sobre a cabeça da cidade farta de água, inundação e deslizamento. Estardalhaço... A primeira vez que ouvi pensei que algo estava acontecendo no quintal. Logo de manhã, ali pelas sete horas ou oito horas, ela abre a janela e as folhas batem com estrondo na parede, talvez do quarto. Tem dias que ela se esquece de prender as folhas naqueles, não sei o nome, ganchos que tem uma cabeça sei lá o que, não sei, ou as folhas se soltam e conforme o vento fica batendo por um longo tempo, até que ela lembra e prende de novo. Portanto, hoje a janela está fechada. Esperando que o sol revele a beleza do seu brilho e espante a umidade que já apresenta uma crosta verde pelo quintal todo.
A chuva tem um quê de tristeza, um quê de algo que não sei dizer. Há uma distância que me separa e prende. Separa do mistério que há no caminho por onde passei e, prende-me no mistério do caminho que ainda há para ser palmilhado. Separa porque pensei serem eternos os passos na companhia da vida que tínhamos a frente. Louco ao pensar na barbaridade de acreditar nos sentimentos que nunca são eternos. Preso no caminho sem sentir os passos que outrora me acompanhava. E nesse separe e prende há a nostalgia dos diálogos de olhares onde as mãos agiam conforme as palavras eram pronunciadas no sussurro do quarto.
A vizinha hoje não abriu a janela com estardalhaço, quem sabe amanhã ela abre a janela e, saberei que terei muito ainda o que dizer.


pastorelli

Seja o primeiro a comentar: