sábado, 27 de março de 2010

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Factum Est - o caso Nardoni - Lílian Maial.

Lílian Maial.

[Em http://www.lilianmaial.com/blog.php?idb=22039]



















Finalmente foi exarada a sentença que condenou o casal Nardoni! Cerca de 30 anos de prisão para cada, com possibilidade de liberdade, sob condicional, dentro de 10 anos.
Era de se esperar que um crime tivesse culpado e que a justiça fosse feita. Até aí, nada de mais.
No entanto, fica uma pergunta: para que tantas pessoas enfrentando horas de viagem, noites insones, vindo de outras cidades, só para acompanhar o julgamento de perto, sem a menor ligação com as famílias e circunstâncias envolvidas no crime? Por que esse frenesi?
Penso que a falta de um bom motivo para o crime é o que torna tão difícil sua aceitação, a ponto das pessoas precisarem “malhar os Judas”, para poderem, ela próprias, não se enquadrarem como possíveis criminosos. Trata-se de um pai normal, de classe média, separado da mãe e vivendo com uma segunda família. Uma pessoa normal, que tinha uma vida normal. Uma pessoa como eu ou você. Aí você se pega pensando em quantas vezes já não pensou em atirar alguém pela janela... Pois é, pensou. E por que não jogou? Seriam as circunstâncias? Ou será que o casal, de repente, resolveu atirar, por diversão, a menina pela janela?
A mim, me parece que a mídia provoca esse tipo de reação coletiva, como que cobrando e valorizando um senso moral, muito em voga nos idos da Idade Média, que quase obriga as pessoas a se manifestarem de maneira histérica, numa condenação a um ato repulsivo, quando, na verdade, fenômenos muito mais repulsivos passam por debaixo de seus narizes, no dia-a-dia sem, contudo, provocarem a mínima remexida na cadeira, frente à TV. Uma histeria coletiva. Um BBB – Big Brother Brazil - onde todos estão na “casa” e, os Nardoni, no “paredão”.
Houve o crime. Uma vida foi ceifada e alguém tem de pagar por isso. Certo. Mas o que faz as pessoas cultuarem este caso, em particular? Não seria a oportunidade de aparecer na TV, já que o caso não sai da mídia?
Já vimos, há mais de 2.000 anos, uma turba pedindo a crucificação de um “fora-da-lei” da época. O que teria motivado aquelas pessoas oprimidas a exigir, aos gritos, cruelmente, a crucificação de um ser humano que, segundo consta, só pregava o bem? Aqui, no caso Nardoni, não se trata de um casal de santos, mas de seres humanos comuns, sem nada de especial, e assistimos ao mesmo comportamento espetacular. O mesmo comportamento que levava milhares de pessoas ao Circo de Roma e assistir à matança de seres humanos, uns pelos outros, e até esfacelados por animais.
Existe, sim, uma forte atração natural do ser humano pelo horror, pelo trágico. Os que saíram de suas cidades para acompanhar o julgamento são os mesmos que, muito provavelmente, param o carro para olhar um atropelamento fatal, ou um acidente onde os automóveis tenham ficado completamente destruídos. Uma necessidade de sentir a tragédia no outro.
Ou, quem sabe, ver sua própria tragédia do passado vingada... Sim, porque muitos dos que pediriam, sem pestanejar, a pena de morte para o casal, possivelmente já sofreram maus tratos na infância, espancamentos, abusos sexuais, algum tipo de violência. A tendência do ser humano é revidar, se vingar. Esse tipo de situação não se apaga com os anos, mas se esconde sob o tapete da memória. E basta um sensacionalismozinho para avivar a mágoa e redimensioná-la exponencialmente.
O casal foi condenado. Isabella não vai ressuscitar. A mãe de Isabella nunca mais será a mesma. Mas os que atiraram todas as pedras em qualquer direção, os que têm uma estranha sede de sangue, esses, saciados, dormirão melhor.
Como diz aquela suposta fábula indígena sobre os dois cães que coabitam dentro de nós e que brigam o tempo todo, um deles mau, cruel, e o outro, bonzinho, dócil, “ganha a briga aquele que se alimentar mais”. Temos que tomar muito cuidado com nossos cães interiores, para não dar comida demais ao pior deles.

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Nota da edição de Letras et cetera: a imagem pretende ilustrar o texto aludindo a panis et circensis, a política do pão e circo (entretenimento e comida) praticada por alguns imperadores romanos: forneciam trigo e entradas para jogos circenses como forma de distrair a atenção do povo sobre a política.

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