sexta-feira, 16 de abril de 2010

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A bicicleta - Ronie Von Rosa Martins

Ronie Von Rosa Martins.


Não. O tempo não estava no movimento. Ele pensava. O tempo estava na bicicleta. Imóvel encostada ao muro.
Sim. O movimento era apenas ilusório, o tempo era além dele. Era imobilidade. Sim.
O muro estático e a bicicleta plantada em suas costas. Sustentação tácita. Amparo. O verbo já não existia. O verbo era distância. De fundo o azul chumbo de um céu imóvel como o tempo. Assim como ele. Estático.
Os aros da roda já não deliravam pelas estradas, mas uma massa de tempo enlouquecida se embrenhava imperceptível por eles. Silencioso enroscava-se no metal da bicicleta, retorcia-o. E ele percebia.
O tempo estava. Antes do movimento. Antes do verbo. Antes da representação do movimento. Antes da representação da fala. Ele.
Os pensamentos tentavam se constituir, mas a densidade temporal era anti-constitucional, e os pensamentos e também os sentimentos mesclavam-se em mechas de tempo e no metal da bicicleta e no barro do muro e na carne que era dele.
Então chorou. Silenciosa a lágrima percorreu pele e carne e porosidades e espaços e lembranças. E fez-se memória e apagou-se-extinguindo-se no silêncio da terra. E não houve outra.
Só a bicicleta muda. E dizia tanto. E gritava tão alto. E o muro permanecia além do próprio muro,visto que agora era lembrança. E também a bicicleta. Verde. Não o muro. Este cinza e velho. Como ele.
Cinza e velho ele percebia o tempo, e a bicicleta e o muro. E se tudo era símbolo. Era ele símbolo. Fechou a mão lentamente e pode sentir o tempo pulsando dentro, e afundar-se na carne e mergulhar pra dentro do corpo. E tudo pulsava e tudo era quente.
Tudo era quente no silêncio da bicicleta.
O movimento já não era necessário. Assim como o muro resolvera ficar. Coisificar-se no tempo. Plantar-se.
Achava que os outros viam por janelas. Ele via fora de casa. Via tudo. E tudo era a bicicleta e o muro. Não havia ilusão, não havia ângulos, só a bicicleta e o muro pendurados no tempo, emoldurados no tempo. De onde estava ainda via os rostos pálidos das gentes que passavam pelas janelas. Viam a delimitação da janela, o limite do olhar e a ilusão do movimento. Não viam nada.
E foi tudo o que viram. Todos eles: Um velho sentado em frente a uma antiga bicicleta escorada a um muro ainda mais antigo que o velho. E só.



Imagem: Liyin the Designer in Pajamas

6 comentários

Paola Rhoden

Assim passam pela vida quase todos, sem ver a profundidade ou a filosofia das coisas. Nas sombras, na penumbra ou na luz, pairam recados cheios, que só serão vistos pelos que que a alma poética conduz. Lindo seu texto.

Ronie Von Rosa Martins

Que bom que tenhas gostado. Fico grato por suas carinhosas palavras.

Abraço.

Unknown

Adorei o texto,fala sobre uma coisa muito antiga,a ´bicicleta` quase todo mundo usa.
Parabéns,gostei muito mesmo!!!

etiane

Eu achei muito interessante porque fala sobre o tempo.
E também gostei muito porque fala sobre avida...
Etiane T:71

Amanda Nunes

Professor eu adorei esse texto que o senhor fez ta de parabéns achei muito legal e criativo.
Um grande abraço!!!!

Larieli Marques Borges

Muito legal a idéia de falar sobre a bicicleta um meio de transporte pouco usado mais muito importante