domingo, 25 de abril de 2010

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Não existe racismo em Santa Catarina - Urda Alice Klueger

Urda Alice Klueger.






















A América estava cheinha de escravos africanos lá por volta de 1850, quando a Inglaterra, que era os Estados Unidos da época, disse: “Basta! Vamos tratar de acabar com a escravidão!”
Nos meus tempos de escola ensinaram-me que tais coisas se devia ao bom coração dos ingleses, que não podiam ver gente sofrendo, escravizada – hoje sei muito melhor o que estava acontecendo: em plena Revolução Industrial, a Inglaterra tentava implantar o Capitalismo no resto do mundo, o que significava que teria que fazer o mundo inteiro comprar os muitos produtos que estava produzindo, e escravo não tinha salário e, portanto, não podia comprar. Se a pessoa fosse livre acabaria tendo algum tipo de salário, e então poderia fazer compras e ajudar os ingleses a tornar o Capitalismo maior. Essa coisa de bom coração era pura bobagem.
Aqui no Brasil demorou até 1888 para a Princesa Isabel considerar extinta a escravidão. Mas será que ela o foi mesmo? Só de pensar nisto já estou querendo enveredar para outra crônica, quando penso na quantidade de escravos negros e brancos que hoje existem no nosso país. Mas o assunto desta é outro, é sobre o racismo militante que existe bem aqui ao nosso redor e no resto do país, contra os nossos irmãos cujos antepassados foram trazidos à força de uma África que até hoje não se recuperou da perda dos seus filhos. Daí você vai me dizer: “Racismo, aqui? Tu estás louca! Gilberto Freire, em ‘Casa Grande e Senzala’, já deixou muito claro que vivemos numa democracia racial.” (eu diria étnica, forma que acho mais correta.) Meu amigo, meu amigo, em pleno século XXI, acabamos descobrindo que Gilberto Freire não tinha razão! Vamos ver como a coisa acontece. Vou começar pela alemoa Blumenau (outra bobagem – quão pouco Blumenau tem de alemão!). Aqui a coisa fez-se devagarinho. Um dia foi construída uma moderna igreja, no centro de Blumenau, que hoje é catedral, e sabe como é, entra padre, sai padre, os gostos mudam, e nos jardins modernos passou a morar uma série de imagens de santos e Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, que como todo o mundo sabe, é negra. Então, lá por outubro de 2003, alguém lá responsável por tal coisa, mandou pintar de branco todos os santos dos jardins, inclusive a Nossa Senhora Aparecida. O povo daqui é meio tímido para certos assuntos, até falou, mas falou pouco – só que a notícia repercutiu, resultou em manifestações em São Paulo, em Salvador... Bem, então, escondeu-se na sacristia a N.Sra.Aparecida pintada de branco, para acabar com a polêmica. Mais um pouquinho e, sorrateiramente, os responsáveis pelo assunto botaram lá no lugar dela uma Nossa Sra. de Lourdes, branquinha da Silva, achando que o caso estava resolvido. Estava nada. Há coisa de um mês atrás fomos lá(isso foi em 2004) o Movimento Negro mais o Fórum dos Movimentos Sociais de Blumenau, e botamos de volta na igreja, na missa de domingo à tarde, a N.Sra. Aparecida que havia sido expulsa. Silêncio total. Até hoje não vi uma linhazinha em qualquer lugar da imprensa! Claro, se o preconceito ficar escondido, parece menor.
Mas não é só aqui. Conto mais um caso, para que fique bem evidente que ele existe. A UNEGRO (União dos Negros pela Igualdade), lá em Florianópolis, resolveu comemorar seus 10 anos de existência (Tal também foi em 2004). Os responsáveis foram lá no Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares com um mês de antecedência, combinaram que fariam a festa, estava tudo resolvido. Fariam a festa e cobrariam uma entradazinha, coisa pouca, para terem algum fundo em caixa. Nada lhes foi exigido. A coisa correu até faltar dois dias para a festa, e nesse meio-tempo alguém lá se deu conta: “Mas são os negros que estarão festejando em chãos legitimamente açorianos! Como pode! Corram, arranjem meios legais, não deixem tal gente adentrar ao Rio Tavares!”
Deve ter sido bem assim. Então vieram as exigências, folha e meia delas, assinadas pelo presidente do CCFRT, num documento que tenho cópia aqui, até com assinatura registrada no Cartório Alves, daí de Florianópolis. Vocês acham que a festa saiu? É claro que não. O racismo, meus amigos, é coisa para muitos caminhões de conversa! E está aí bem do seu lado, se não estiver aí bem dentro do seu coração. O que é que a gente faz para se livrar dele?


[Blumenau, 16 de Abril de 2004]



Imagem: Cedomir Kostovic

2 comentários

Pedro Du Bois

Cara Urda, volta e meia, quando e onde menos esperamos, lá está o preconceito (e o pré-conceito) atravancando a entrada, a passagem e a saída. Mas continuamos tentando e insistindo para que ele desbote ao tanto de se fazer invisível (e quem sabe inexistente). O racismo, sabemos, não dispensa raça, credo, tipo físico, sanguíneo, ou condição (dita) social. Abrange os mais perfeitos e perversos rincões: haja vista a atemorização de alguns - não tantos, mas barulhentos -, agora, em relação aos direitos humanos e à verdade. Belo texto, parabéns. Abraço, Pedro.

SÔNIA PILLON

Como jornalistas que somos, nosso papel é continuar apontando, descortinando, desmascarando, vencendo pelo constrangimento... e como escritoras, apresentar personagens reais que mostrem isso e façam as pessoas repudiarem o preconceito de vez! Parabéns!