terça-feira, 20 de abril de 2010

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O QUE DIZEM OS VENTOS? - Noelio A. de Mello




Lembrei-me, outro dia, que quando era menino escrevi uma estória que falava de um garotinho que era apaixonado pelos ventos, que lhe traziam de presente o colorido das pipas que caíam em seu quintal, anunciavam as chuvas das tardes, o ameno frio da noite. Voando nessa viagem sentimental pela minha infância fiquei a cismar de como é bom ser criança, que nunca sofre pelo amanhã, de crer sempre no invisível, de sonhar de olhos abertos com as cores do fantástico.

Por alguns segundos paralisei o tempo e me dei conta que já correm longe os ventos da minha infância. Ventos que me contavam histórias, que fantasiavam a vida, faziam cair os frutos maduros que se perdiam pelos quintais, que guiavam os pássaros, nossos sonhos, a encantada correria das nuvens.

Na minha ingenuidade de menino pouco me importava de onde vinham, queria mesmo era saber seus destinos. Que sol buscariam, que luas e estrelas tocariam, com quantos afagos acordariam tantas fadas, onde dormiriam depois do entardecer. De como os feiticeiros das horas sabiam o tempo exato de acordá-los para recomeçarem suas novas, intensas e apaixonadas caminhadas.

Criei almas para eles, corações, sentimentos, materializei seus passos. Virei adulto e o encanto, veloz como o próprio vento, passou rápido como o riscar de uma estrela cadente. Aprendi com as verdades da vida que os ventos levaram meu passado, a fantasia de muitos amanheceres. Descobri que foram ingratos zombando da minha inocência de menino. Que meus sonhos infantis jamais poderiam trazê-los de volta. Que só tinham passos acelerados. Para frente. Para a dureza do presente. Para as incertezas do futuro. Que não miravam o infinito, que nunca tentaram apagar as tristezas do crepúsculo.

Descobri que não trazem amores, que não inventam histórias, que não acordam, porque não dormem nunca, que não trazem o que já se foi, que não constroem castelos dourados, que não beijam a lua e nem acariciam as estrelas, que não tem almas, corações, paixões.

Que não fabricam perfumes nos seus berços, que não passeiam pelo insondável. Que apenas nos tocam com suas insensíveis invisibilidades. Quem não tem face, risos e quando enfurecidos, podem ser destruidores de cidades, de esperanças, de vidas.

Agora, passados tantos anos, descubro que o bom mesmo, o lado mais comovedor da vida, mora nos delírios dos corações inocentes. Na fertilidade dos nossos pensamentos de garotos, sempre com um olhar fixo nas brincadeiras, nas travessuras cheias de fantasias, nos ventos que passam e repassam contando suas deliciosas inverdades.

Descubro, também, que o tempo e os ventos, aliados fiéis da imaginação infantil, poderão sempre ficar contando histórias que nossos endurecidos corações de adultos não sabem mais saborear e que mesmo sendo traiçoeiros, continuarão dizendo para as crianças que são os melhores amigos de muitos pedaços de suas vidas, dos sonhos que um dia também sonhamos e que, tristemente, os deixamos perdidos nos parapeitos das janelas vazias de onde não mais espreguiçamos a poesia do nosso olhar.

Talvez, um dia, outros mistérios e doces segredos chegarão para enfeitiçar nossas almas enluaradas pelo tempo, pelo destino, pelas emboscadas dos segundos trazidos pelos muitos ventos que já passaram pela nossa vida. Fico na esperança que sempre será tempo de sonhar, de enxergar a vida com o sol da liberdade interior que as crianças demonstram e carregam no olhar. Na verdade, em algum momento, poderemos ser sábios e sensíveis o suficiente para descobrirmos o que divinamente querem dizer os ventos.

1 Comentário

Tânia Du Bois

Caro Noélio,
os ventos são a nossa coreografia da vida, do amor e da magia,levando-nos a sentir a liberdade.
Abraços,
Tânia