sábado, 15 de maio de 2010

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A iniciação - Betusko

Amanda correu o mais que pode ao perceber que estava atrasada para o compromisso com as colegas, já passava das duas da madrugada. Esbaforida, chegou ao bosque e despiu-se com rapidez espantosa. Com as roupas fez um montinho que depositou cuidadosamente ao pé de um Jequitibá frondoso. Nua, com os longos cabelos ao vento juntou-se ás outras participantes do ritual sagrado. A dança já estava adiantada e Amanda, respeitosamente, pediu permissão para entrar na roda. A lua cheia inundava o topo daquele morro naquela comemoração do solstício de inverno.

_Venha sem receio, Amanda! O transe ainda não se deu. – disse a mestra com doçura.

A grande roda girava composta por mais de cem mulheres desnudas, compenetradas no evento. Traziam também nus o coração, a mente e a alma. A antiga cantiga celta era entoada, ora em murmúrio, ora em gritos estrondosos, ao redor da pequena fogueira de eucaliptos.

Após quarenta minutos dançando em grupo, ou sozinha, Amanda sentia que sua identidade fundia-se com o inconsciente coletivo das demais participantes. Ela não era mais a moça tímida que trabalhava como caixa em uma agência bancária, nem se lembrava que era filha de um casal de católicos fervorosos. Deixava de ser refém de um namoro de dez anos com Amarildo, moço trabalhador, mas um tanto cheio de caprichos. Também se livrava das mágoas que alimentava contra a irmã mais nova, dos anseios de sair da cidade pequena em que vivia e migrar para a capital. Esquecera-se dos dois abortos a que se submetera, dos ataques de asma que lhe acometiam de tempos em tempos; das dívidas que contraíra para cursar a faculdade...

Uma alegria imensa invadia o seu ser. Seu corpo girava como que tomado por uma onda extasiante de bem estar. Dali para frente, não se lembrava de mais nada. Quando recobrou a consciência, o sol já estava despontando, ofertando seu espetáculo cotidiano.

Amanda, recostada junto à árvore, vestia suas roupas e chorava, sacudindo-se compulsivamente. Nascia naquele momento uma nova mulher.

3 comentários

Jorge Xerxes

Betusko, Uma Bela Pintura Poética da Transformação! "_Venha sem receio, Amanda! O transe ainda não se deu." Um Grande Abraço, Jorge X

Noélio A. de Mello

Betusko

Sempre haverá tempo de moldar nossas almas pela cumplicidade com as leis do coração.
Amanda conhece agora as duas faces da alma. Encontrará seu caminho, nessa selva, que chamamos de vida.
Excelente texto, bela reflexão.
Noélio A. de mello

César Birindelli

Betusko, meu caro, que bom lê-lo aqui. Como de costume, seu texto nos conduz, do início ao fim, com leveza e poética deliciosas. Parabéns. Abs, César Birindelli