sábado, 22 de maio de 2010

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Sobre danças e morte - Belvedere Bruno

Belvedere Bruno.

Hoje, veio-me à mente a imagem de Candinha. Todas essas comemorações em torno do Dia das Mães trouxeram à tona a simplicidade e sabedoria com que ela vivenciou seus dias. Aliás, dias esses em torno dos oitenta anos, quando a conheci no frescor de minha juventude . Gostava de falar a respeito de tudo, inclusive morte, para ela assunto sem mistérios. Causava-me admiração sempre que dizia : "Quando eu morrer, não me visitem no cemitério, pois lá jamais estarei. Sempre que quiserem estar comigo, coloquem um jarro com flores sobre a mesa e dancem, cantem, assim como faço para meu filho há dezoito anos!". Era pura magia vê-la dançar, tamanha sua entrega e emoção . Na ingenuidade de nossa adolescência, não entendíamos que naquele momento ocorria uma catarse. A dor da perda, a saudade eram daquela forma exteriorizadas.
Decidi, então, homenageá-la. Pensaram, um tanto preocupados, que eu pudesse estar com algum problema emocional. Talvez ande um tanto nostálgica, confesso, mas coloquei um ramo de flores do campo num jarro, bem no centro da mesa da sala e fiz mais ou menos como ela fazia: cantei, mesmo sabendo-me uma desafinada por natureza. Misturei canções de Chico, Gonzaguinha, Jobim... Por aqui, nenhuma lembrança acerca dessa pessoa, cuja personalidade era admirável por ser tão fora dos padrões estabelecidos naquela época. Após muito refletir, sinto que as lembranças nunca chegam por acaso. Através delas, me descubro, de certa forma, parecida com Candinha. Portanto, quando daqui me for, não me busquem em cemitério...
Por instantes, transporto-me a um passado longínquo, mas consigo sentir, ainda, o aroma das flores ao mesmo tempo que ouço Candinha: "Que meu exemplo seja de alguma forma perpetuado. Se apenas um de vocês fizer o que venho mostrando há tempos, meus ensinamentos não terão sido em vão. Tenham certeza de que não vale viver trancafiado em dores, pois lá fora a vida sempre vibra. Incessantemente. Um dia vocês entenderão tudo isso."
E pareceu-me ver o seu sorriso envolvendo toda aquela minha confusa, mas bem intencionada celebração.


Imagem: mitsi dancing school

6 comentários

Bela

LInda página. Adorei a ilustração. Parabéns por tudo!
Belvedere

Anônimo

Que ilustração bonita! Também gostei do texto e do título. Aliás, como escreveu Ernest Becker em seu livro "A Negação da Morte",
tudo o que o ser humano faz é para ignorar a morte. Candinha dançava e cantava, o que é bem melhor que
levar flores ao cemitério, onde, suponho, nem os mortos querem morar. Bjs,
Ana Suzuki

Jorge Xerxes

Belvedere,

Dança, cântícos e um suave perfume parecem envolver esse seu texto!

"Era pura magia vê-la dançar, tamanha sua entrega e emoção ... não entendíamos que naquele momento ocorria uma catarse. A dor da perda, a saudade eram daquela forma exteriorizadas."

Exercício da Redenção!

Um Beijo, Jorge X

cirandeira

Um texto muito delicado, tocante!
Reminiscências que nos trazem de volta a sabedoria dos que souberam ou saber viver, coisa rara nos nossos dias...

Parabéns!

Um abraço

Editorial

Obrigada, Bel.
Parabéns também pelo texto: é gratificante tê-la por aqui.

Beijos
da Sonia

Odete

Adoro seus contos, Bel.
Já conhecia este, mas é sempre bom reler.