XII – PREFIROSWALDEANDRADE
– Quem foi o animal que andou roendo o meu Ulysses?, berra papai,
espumando pelo canto da boca.
Um grave silêncio invade a sala. O tio sai de fininho em direção ao
sótão. A tia faz o pelo sinal da cruz e se manda para a cozinha. Mamãe
esconde dois cadeados no bolso do avental e se tranca no quarto. Vovó se
retira com a desculpa de que precisa dormir. A noite foi plena de emoções,
diz ela. Eu, escriba de plantão, faço que saio mas não saio, fico escondido
atrás de uma coluna, a caneta pronta para registrar o confronto:
– Sobrou apenas o senhor, diz papai.
Vovô palita a dentadura; não responde.
– O senhor sabe o que significa Ulysses para mim? Não, não sabe.
Sempre do contra, não é? Essa sua terrível personalidade prima muito mais
pela falta de educação do que pela ideologia.
Vovô se delicia com os elogios. Papai continua:
– Pois saiba que Ulysses é a obra máxima da literatura, divisora de
águas das letras modernas. Só mesmo alguém vil e desprezível como o
senhor seria capaz de roer as páginas de um livro sagrado.
Vovô, sem negar ou afirmar a própria culpa, dispara outra de suas
palavras-enigma:
– Prefiroswaldeandrade.
domingo, 20 de junho de 2010
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EM FAMÍLIA - Último Capítulo
autor(a): Parreira
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1 Comentário
Concluí a leitura de seus folhetins. Dei boas risadas. Grande abraço.
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