sábado, 12 de junho de 2010

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Lenine de Carvalho - Muito Além

Meu amigo chama-se Peter Hammer...


É um cuteleiro, ou seja, fabrica facas, adagas, punhais, espadas, tudo artesanalmente.

É um verdadeiro artista, vive pesquisando sobre a fabricação de armas brancas antigas, técnicas, procedimentos, etc...

Precisava de um forno especial que desse l.200 graus centígrados de temperatura para poder elaborar a têmpera das lâminas, como não tinha dinheiro para comprá-lo, fabricou um com suas mãos em sua casa.

Meu amigo Peter também é um filósofo, apesar da pouca idade, 30 e poucos anos.

Somos amigos há vários anos e eu sou um admirador dele e de seu trabalho.

Tempos atrás, fabricou um Kataná, uma espada samurai japonesa, de acordo com as técnicas e materiais usados há séculos atrás. Conseguiu enviar seu trabalho para o Japão, assombrando a todos os especialistas que lá examinaram sua espada, ganhou menções honrosas, prêmios e é o único homem no Brasil autorizado pelo governo japonês a afiar Katanás verdadeiros e históricos.

Esse meu amigo comentou-me um dia que era espírita e fazia parte de um pequeno grupo de pessoas que dedicavam-se a estudar a nível científico a doutrina espírita e suas manifestações a nível material e cósmico...

Sempre encarei esse tipo de coisa com muito respeito, mas nunca quis aprofundar-me no assunto por ter um certo receio de acabar me tornando refém de alguma maneira de uma doutrina ou filosofia que me convencesse ou arrebatasse...

Medo enfim? Talvez...

Uma noite, eu estava na oficina na casa de meu amigo, vendo-o trabalhar e conversando sobre armas quando ele com a maior naturalidade do mundo me disse que através de seus contatos com o mundo paralelo e espiritual ele havia recebido a incumbência de dar-me um recado.

“__Recado de quem?”

“__Há entidades que querem transmitir uma mensagem para você.”

“__Que entidades?”

“__Seres espirituais, desencarnados, que pertencem a outra dimensão de espaço-tempo.”

“__E o que querem me dizer??”

“__Não tenho a mínima idéia, apenas me pediram para convidá-lo a comparecer a uma das reuniões do nosso grupo, agora compete a você decidir se quer ir ou não, de minha parte o recado está dado e o convite feito.”

“__Quando será a próxima reunião de vocês?”

“__Hoje à noite, daqui a uma hora, quer vir?”

“__Sim, quero. Vou.”

Era uma pequena sala, uma mesa com uma toalha branca e uma fraca luz iluminando o ambiente.

Uma senhora gorda, de certa idade, parecia presidir os trabalhos, ou sessão, ou estudos, ou o nome que tivesse aquilo.

Havia ainda uma moça bastante jovem e mais dois senhores de meia idade.

Percebi ou senti que da senhora gorda emanava uma espécie de paz, harmonia, tranqüilidade, calma interior que transmitia-se ao ambiente.

Apresentações feitas, a senhora me explicou que eles comunicavam-se com os espíritos num nível muito alto, de vibrações muito elevadas, recebiam e transmitiam mensagens e que alguns espíritos desejavam transmitir algo para mim.

Disse também, que uma vez estabelecido o contato, apenas eu receberia a mensagem e que eu poderia ficar à vontade para comentar ou não com eles o que me havia sido dito pelas entidades, caso eu necessitasse de alguma ajuda ou explicação para entender algo, eles estavam lá para ajudar, mas não tinham nenhuma curiosidade vulgar de saber o que ou qual tinha sido a mensagem.

Isso me foi simpático.

A senhora pediu então que nos déssemos as mãos e fechássemos os olhos.

Eu estava me sentindo um tanto constrangido com a situação, mas, acho que além da curiosidade digamos, científica e filosófica sobre o assunto, queria também agradar ao meu amigo Peter, por isso tinha aceito o convite.

Pediu-me então a senhora que eu tentasse visualizar uma grande tela completamente em branco, disse-me que isso era algo bastante difícil de se conseguir, pois as imagens do cotidiano iriam se projetar sobre a tela e eu deveria tentar afastá-las, deixando a tela em branco o maior tempo que pudesse.

Realmente foi difícil no princípio, mas acabei conseguindo por não sei quanto tempo imaginar uma tela imensa, branca e completamente vazia...

Então a sala desapareceu... as pessoas, tudo...

Havia uma enorme planície amarela... milhares de guerreiros a cavalo, armados com lanças, espadas, arcos e flechas, pequenos machados, escudos, alguns de metal outros de couro curtido em várias camadas...

Todos com feições orientais... como se fossem mongóis...

Eu me vi então montado num cavalo e alguém que me parecia ser um dos chefes me pedia instruções num idioma completamente estranho mas que eu compreendia perfeitamente.

Me dei conta então que eu estava no comando de todos aqueles guerreiros e que íamos combater não sei a quem nem porque nem onde, a 3 dias de viagem a cavalo...

Distribuí ordens e instruções e cavalguei até uma estranha construção branca, que parecia uma espécie de templo...

Em frente ao templo, a moça esguia, com longos cabelos negros, um rosto místico, os olhos oblíquos, vestida com uma túnica branca até os pés e um cinto amarelo que parecia ser de ouro...

Desci do cavalo, abracei-a e disse-lhe que logo estaria de volta, que o problema seria resolvido rapidamente, pois nosso exército era muito poderoso e bem armado, dentro em breve eu estaria de volta para continuarmos a viver nosso amor que era tão belo...

A moça de cabelos negros e longos não disse nada, apenas de seus olhos corriam silenciosas lágrimas... como que em premonitória despedida...

Beijo-a ternamente, pego seu rosto entre minhas mãos e beijo o pequeno sinal marrom que ela tem na têmpora esquerda...

O exército todo a cavalo, movimentando-se a meio galope até chegar onde seria o campo de batalha.

Posições tomadas e dispostas, cabia a mim dar a ordem de ataque...

Ninguém havia percebido o batedor avançado, perfeitamente camuflado com secas folhagens no terreno irregular...

Do alto do cavalo, empunho uma brilhante espada, mas antes de dar a ordem de ataque, volto o rosto para onde havia ficado a moça de cabelos longos e negros, como que a dizer-lhe mentalmente o quanto a amava e que logo estaria de volta para seus braços.

Nesse momento, a flecha de madeira, com ponta negra de ferro, penetrou-me por baixo do queixo saindo um pouco acima da nuca... me vi lentamente caindo do cavalo...

Então de repente, a sala volta a existir!

A senhora, meu amigo Peter, as outras pessoas ao redor da mesa...

Estou muito abalado... Sinto um estranho gosto de sangue na boca...

Ninguém me pergunta nada.

Disse-lhes então que havia recebido a mensagem, apenas isso, nada mais.

Novamente não me perguntaram nada.

Despedimo-nos e lhes agradeço por tudo.

Na casa de Peter, conto-lhe bastante emocionado e algo assustado o que se havia passado.

Ele então me diz que de vidas passadas trazemos algumas habilidades, dons, virtudes e defeitos para a vida atual.

“__Veja, na época que você descreveu os combates eram corpo a corpo e você agora apesar de não ser mais tão jovem, continua praticando artes marciais, apesar de ser civil, você tem afinidade e familiaridade com armas brancas e de fogo.

Naquela época, provavelmente cada tribo falava um dialeto diferente e um comandante ou chefe forçosamente teria de falar mais de um idioma ou dialeto para poder se comunicar com seus comandados e você hoje fala alguns idiomas. Percebe? Tudo a ver...”

Já é quase madrugada, ainda um tanto abalado pelo que havia visto, sentido e vivido volto para casa.

Assim que abro a porta, minha querida “Gueixa” vem me abraçar cheia de amor e carinho...

Acaricio os cabelos longos e negros... olho dentro de seus olhos oblíquos, profundos e místicos...

Pego seu rosto entre minhas mãos e beijo ternamente o pequeno sinal marrom, em sua têmpora esquerda...



Lenine...





Imagem: enviada pelo autor







1 Comentário

Rose de Castro

Lindo e emocionante conto, amigo! Li como se estivesse sentindo tudo o que o você sentiu e o melhor de tudo é que no fim você encontra sua gueixa nesta vida.
Beijos amigo e parabéns!

Rose de Castro
Escritora, Ghost Writer e Poeta