sábado, 19 de junho de 2010

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Resenha 12 - Concurso literário 'Desvendando um conto' - Por José António da Silva Pires

Elos na grande cadeia do SER

- Por José António da Silva Pires -


















Para nos dar a perceber que a dimensão psicológica domina, e muito, as nossas vidas, embora não seja a mais importante, o autor nos conduz por um ponto de vista exterior a julgamentos morais e elaborações metafísicas. Não é uma gesta de vida pessoal. Não há ingenuidade de julgamentos, não há julgamentos.
O novo transforma, o invisível resulta de olhar o concreto e sentir a potência de um corpo, há um hiper-realismo da energia vital, dos sentidos.
Os seres humanos são um elo na grande cadeia do SER e não são o centro de uma cadeia hierárquica. O autor nos conduz a verificá-lo através de personagens que vivem seus dramas e dos desfechos que ocorrem sem que nada ou ninguém se interponha.
O presente conto, sem um fecho objectivo, faz-nos crer que a escritura de Borboleta tem um pulsar vital e há nesses escritos um manancial com muitos contos por vir.
Contos como este, inconfessos e inconclusivos, são como rios sem limites ou margens, que não desaguam em nenhum mar conhecido. Objectos inclassificáveis, para lá do "literário" e da ficção.
"Um último trago" é uma obra em processo de continuação (poderia ser o primeiro capítulo de um romance) que se autonomiza e impõe de forma obsessiva e implacável. O personagem narra e é protagonista, centrado no processo de sua génese, no cerne de seu pensamento, no âmago das suas sensações. E a essência do conto é a de um laboratório de possibilidades que o transforma numa obra aberta.
A rede de possibilidades e a perspectiva de finalização prorrogada parecem querer reflectir o próprio feixe aleatório de possibilidades. Esse, a que chamamos realidade.
A ausência de ironia é um dom poético e um princípio, um método que modula, não apenas a palavra mas também a própria composição romanesca na oposição contrapontística permanente e irresoluta, entre a exactidão e a alma; reflexão e emoção; o indivíduo, seu mundo e o mundo exterior a si.
Nada é casualidade nesse processo de génese não-contraditório, a história não se esquiva ao que se propõe: CONTAR.




Imagem: SmokeWorks #41, de Mehmet Ozgur






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