terça-feira, 13 de julho de 2010

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COMO PARECE BOM SER CIDADE!




A noite já caminhava alta e meus olhos viajavam contemplando os mistérios do céu quase contando todas as suas estrelas e, enquanto sentia o tempo passar apressado, pensava na luta diária pela sobrevivência, no amanhecer e anoitecer iguais, fatigantes. Nesse momento comecei a lembrar de todas as pessoas que passaram pela minha vida deixando meu coração e espírito saudosos e vazios.


Talvez com medo de pensar no futuro, comecei a vasculhar a cidade, com seus prédios remoçados e uma infinidade de outros nascendo como braços estendidos aos céus. Nesse exato momento, fiquei imaginando como deve ser bom ser cidade em vez de ser gente.


As cidades têm, sobre o homem, a vantagem de serem de pedra e cal, e, assim, inacessíveis às decepções, aos desenganos, aos sofrimentos, às ingratidões, aos infortúnios, as dores da carne e da alma, às surpresas infelizes que machucam e matam o coração e ainda têm o poder insuperável de serem imunes ao esquecimento humano.


É verdade que as cidades seriam insípidas se não tivessem o pulsar das veias e dos sentimentos das pessoas, entretanto, mesmo que isso não fosse verdade teriam por uma chuvas lavando seus prédios, a inclemência do sol fervendo suas paredes frias, mas, sabiamente, sabendo conservarem-se longe dos desencantos da vida.


Como parece bom ser cidade! Como parece angustioso ser humano num mundo de desumanos. Tranqüilo é o sono dos prédios, das avenidas, dos jardins, das praias, das esquinas eternamente indiferentes ao homem que passa e repassa em busca da felicidade, do amor, da ânsia de esquecer um desamor, sem perceber que as cidades repousam na sua imobilidade de pedra, alheia às dores, às misérias e as amarguras de cada um. Muitos caminhando com os olhos cansados e a alma em retalhos, em busca do tempo perdido, sem tempo de cuidar das feridas do seu próprio interior.


As cidades indiferentes aos monumentos históricos, aos prédios de luxo, às necessidades dos homens indigentes, das almas sofridas, continua, com sua frieza de pedra, vivendo freneticamente suas atividades noturnas, com seus bares lotados de homens e mulheres mergulhando nos copos cheios o assustador vazio de suas almas. Penso nos homens idosos, doentes, que sem recursos, deitam seus corpos cansados, expondo suas dores, pelas calçadas frias esquecidas pelo mundo, pela vida.


Como parece bom ser cidade e não sofrer com os destinos cruéis, impiedosos, reservados para os homens que foram sabotados em suas esperanças, de amanheceres insípidos e cujos futuros têm os contornos das miragens, das mentiras de todas as promessas.


Fico imaginando, todavia, caso uma cidade pudesse fazer reflexões, se ela, mesmo que fosse por um momento, não gostaria de experimentar a possibilidade de conhecer os sentimentos humanos.


De trocar a rotina de sua imobilidade pelo pulsar de um coração de gente. Se não gostaria de trocar sua total insensibilidade pela sensibilidade de um grande amor, se não ansiaria em poder sonhar, sentir desejos, prazeres, ter uma alma, um coração, um olhar.


A resposta ficará escondida e perdida em entre os meus devaneios dos meios das noites, entre as dores do meu espírito, das minhas saudades que o danado do tempo não permite e nem deseja que caiam no esquecimento total.

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