VIII
Era sábado novamente. Clarissa não saíra de casa para nada. Passou a semana fechada. Não atendera telefone. Nem celular nem fixo. Então resolveu se arrumar e sair para um passeio a pé pelos arredores. Ao passar pela portaria o porteiro a cumprimentou sorrindo. Poucas vezes passava pela portaria, ela e Maurício saíam sempre de carro. Entravam e saíam pela garagem e pelos elevadores. A correspondência era sempre uma discussão para ver quem ia buscar nas caixas lá no térreo. Corriam um atrás do outro pelo apartamento dizendo: “Hoje vai você”. “Não, eu fui da última vez!” “Então a correspondência vai ficar lá!” E a brincadeira seguia até que um dos dois descia de chinelo e de pijama para pegar. O outro ficava rindo. Boas lembranças!
A rua estava deserta! Há duas quadras dali ficava o mar. Não o mar dos rochedos. O mar da praia onde os turistas ficavam torrando a pele branca até ficar como camarões. Clarissa seguiu pela rua que ia dar na praia. Quantas vezes os dois fizeram aquele trajeto? Desde que vieram morar no apartamento novo. Quanto tempo? Engraçado. Não lembrava. Devia lembrar, esperara com tanta ansiedade para receber o novo apartamento que tantas economias fizera para tê-lo. Mas não lembrava quanto tempo morava ali. No mínimo estranho esse esquecimento. Chegou à praia. Cheia de gente! Quanta gente! Era sempre assim nos finais de semana em que o sol brilhava daquele jeito. Ficou olhando as ondas espatifarem-se na areia parada embaixo de uma árvore que sombreava a calçada. Todos os homens que passavam olhavam para ela admirados com sua beleza. Alguns até aventuravam um gracejo. Ela nem ligava para o fato. Estava acostumada. Onde quer que fosse havia um homem olhando-a de cima em baixo, mesmo quando estava com Maurício. Uma voz falou a seu lado:
- Bom dia! Lindo o mar hoje!
Ela virou para o homem de meia idade que a olhava com admiração.
- Bom dia! Sim, muito lindo mesmo.
- Mora aqui? – perguntou ele para iniciar uma conversa.
- Sim! Moro logo ali.
- Também moro. Gosto de vir à praia cedinho quando o sol ainda não está muito forte.
- Eu também. Embora de vez em quando goste de dar um bronzeado.
Ele riu olhando a linda seda dourada da pele dela, sobressaindo no decote do vestido leve que usava.
- Você é muito bonita!
- Obrigado.
- Já tomou o café da manhã? Se não tomou, posso convidá-la?
Clarissa olhou para o cavalheiro simpático e disse:
- Está bem. Não tenho nada melhor para fazer.
E seguiram caminhando devagar pela calçada da avenida até um café na esquina, muito bem freqüentado pela população local e pelos turistas. Ela gostava de ir lá uma vez ou outra.
Conversaram bastante. Ele contou que era casado, tinha dois filhos, um rapaz e uma moça. Sua esposa viajava muito e os filhos estudavam um nos Estados Unidos o outro na Inglaterra. Sua esposa estava hora com um, hora com outro, e para ele sobrava pouco tempo. Mas assim era a vida. Depois que se têm filhos, a vida gira em torno de suas necessidades.
- Mas assim que me aposentar, mais alguns anos, penso em ir morar em Londres com minha filha. Agora preciso trabalhar para poder ter uma vida tranqüila no futuro. E você?
- No momento estou desempregada. Meu marido me abandonou, sou sozinha, nunca tive filhos.
- Que pena! Uma mulher tão bonita!
- Bondade sua.
- Me chame de Marcos. E seu nome como é?
- Clara!
Não sabia por que mentiu o nome. Parcialmente.
- Clara! Hoje vou fazer um passeio de iate com alguns amigos, quer participar? Sairemos ao meio dia. Um passeio curto, só até a noite, apenas para relaxar.
Clarissa pensou. Que tinha a perder? Nunca havia olhado um iate de perto. Deveria ser bom um passeio assim.
- Tudo bem. Aceito!
O homem demonstrou surpresa no olhar. Por certo não esperava um assentimento tão rápido. Mas abriu um enorme sorriso quando disse:
- Onde posso pegá-la?
- Aqui mesmo.
- Ótimo. Vou buscar meu carro ali atrás e volto aqui num instante.
- Calma! Preciso ir até em casa pegar trajes convenientes.
- Está bem. Então acompanho você. Posso? Onde mora?
- Aqui perto.
E os dois seguiram conversando sobre coisas amenas. Um comentário sobre um traje em uma vitrine, uma moça que passava com tatuagens pelo corpo todo, os fez rir. Chegaram à esquina onde Clarissa morava.
- Pode aguardar aqui? Volto logo.
O homem não podia fazer nada além de concordar e ficou esperando. Quinze minutos depois Clarissa apareceu com sua sacola enorme pendurada ao ombro. Usava o mesmo vestido, mas por baixo notava-se um maiô azul.
O carro de Marcos estava estacionado ali perto. Chegaram rapidinho e ele abriu a porta para ela entrar. A beleza de Clarissa combinava com a Mercedes do cavalheiro.
Dois meses se passaram e Marcos não apareceu ao trabalho. Todos pensaram que ele teria viajado para os Estados Unidos ou à Londres. Ele sempre fazia isso.
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