XVII
No dia seguinte Neuza chegou cedo. Estava preocupada com a amiga. No dia anterior durante sua conversa, não apresentava uma boa fisionomia. Quando chegou à portaria estranhou que o porteiro lhe entregasse a chave com um bilhete. Abriu o papel e leu:
"Amiga. Não estou me sentindo muito bem. Não sei a hora que você chegará. Talvez eu ainda esteja deitada. Pode entrar. A casa é sua."
Neuza abriu a porta com cautela, se a amiga estivesse dormindo ela não a acordaria.
Devagar foi até a porta do quarto e estacou assustada. Clarissa jazia na cama com uma imensa faca de cozinha enterrada no peito. O sangue estava por toda a cama. A camisa masculina vermelha que ela vestia estava com poças coaguladas nas dobras. Quem fizera aquilo? Se a chave estava na portaria com um bilhete? Correu ao telefone e chamou a polícia.
Minutos depois o apartamento estava cheio de gente. Policiais, vizinhos e amigos a quem Neuza ligou avisando.
Alguns choravam pelo espetáculo aterrador que viam. Outros falavam que era impossível que uma mulher tão linda tivesse se suicidado. Só podia ser crime. Seria o marido? Alguém que a odiasse?
Neuza ouvindo as conversas começou a formar uma ideia. Quem sabe Ruth enciumada? Como teria entrado? Claro! Com a desculpa da investigação poderia ter convencido Clarissa a abrir a porta. Após matá-la desceu e deixou a chave com o porteiro e colocou um bilhete junto para ela.
Não! Não fechava. A letra do bilhete era de Clarissa.
Mas por que ela se mataria?
Quando diminuiu a aglomeração a pedido dos policiais, Neuza pode conversar.
- O que os senhores sugerem que foi?
- Anda não podemos precisar. Só após as investigações. Mas ao que tudo indica foi suicídio. Ela tem parentes?
- Sim. Acabara de chegar da casa dos pais no interior.
- Precisamos do endereço.
- Eu tenho o telefone, serve?
- Sim.
Neuza procurou na agenda e passou o número aos policiais. Não queria nem pensar na dor dos pais ao saber da tragédia. E Maurício viria quando soubesse?
Neuza olhou para o grande maço de papéis que estavam na poltrona, pegou e viu que era correspondência. Todas ainda estavam fechadas. Clarissa não as abrira.
Decidiu que levaria para sua casa e veria se algo era de urgência. Ou deveria passar para os pais dela?
Depois de todos os trâmites legais o apartamento foi lacrado, e só os pais de Clarissa ou de Maurício poderiam entrar. Ou o próprio Maurício se aparecesse. Ouvira por alto um dos policiais falando que poderia ter sido o marido.
Quem sabe?
Quando chegou a seu apartamento Neuza jogou os papéis em cima da mesa e foi para a cozinha. Pensou que fora muito forte ao ver a amiga naquele estado, e nem um enjôo tivera. E agora estava com fome. Era forte mesmo!
Após um lanche reforçado foi ver de que se tratava tanto papel de Clarissa.
Eram contas de condomínio, extratos de cartões de créditos, contas de energia, de telefones fixos e celulares. Propagandas de viagem, uma revista de esporte, jornais, e uma grande quantidade de panfletos também de viagens. Parecia que Clarissa queria viajar. Ou seria Maurício?
Um envelope branco com timbre da polícia lhe chamou a atenção. Deveria abrir? Era da polícia.
Neuza ficou um tempão com aquele envelope nas mãos. Virava e olhava. Resolveu abrir.
Era uma intimação para o comparecimento urgente de Clarissa à delegacia. Precisava prestar depoimento. Estava marcado para quinze dias antes. Clarissa estava na casa dos pais, por isso não vira e não comparecera. Podia ver o dedo de Ruth ali. Lembrou então da causadora de toda aquela confusão. Quer dizer, de uma das causadoras. O que estaria pensando agora aquela víbora?
Guardou em uma sacola grande toda aquela papelada, entregaria aos pais de Clarissa, menos a intimação. Eles não precisariam saber da pressão que a filha estava sofrendo por parte de uma das amantes do marido. Mas a polícia deveria saber. Neuza desconfiava que Ruth teria algumas explicações a dar.
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