É sabido que a noite de Lua nova é escura como o breu. Mesmo naquelas cercanias habitadas pelo verde pungente dos desvarios hostis; nessas noites que se fundem a serra em estrelas gordas a espalharem-se ao acaso pelo céu.
Jorge ascendeu ao cume pela via tradicional trazendo consigo o fumo de rolo – diversão certa dos matutos habitantes das fazendas e sítios.
Antonio subiu o monte na hora acordada, trazendo uma resma de folhas de palha para a elaboração do cigarro caipira.
Diogo estava lá sentado; em pose essencialmente tosca; aguardava. Nada levou, além de seu corpo simplório e a determinação nauseante do por vir.
Jacinto, o último a apresentar-se dentre os quatro homens, trouxe num dos bolsos de suas vestes uma caixa com palitos daqueles de fósforo: auto-incandescentes pelo atrito de suas pontas.
Quando a bagana queimou firme, a bruma ergueu-se densa. Sobrepôs-se de forma inquebrantável ante o verde sufocante. Surgiu – como que miragem onírica – as formas fluídicas da sacerdotisa que dançava em suas vestes frouxas, alvas e deliciosamente translúcidas. Juliana em seus cabelos longos. Seios fartos e saudáveis de mulher madura. Pernas roliças, esculpidas em força e lisura inebriantes. Bunda que assuntava os céus. As estrelas num frêmito: tensão que dominava rígido o tesão dos homens simples e puros de suma ignorância quanto à natureza daquelas delícias.
Sacerdotisa Juliana iniciou a preleção afirmando que a compreensão de natureza sutil, da qual versava a disciplina, requeria a capacidade de distanciamento da aritmética tradicional, por se tratar de conhecimento antigo e intuitivo. Disse também que a totalidade destes ensinamentos, bem como a sua mais profunda significação, estava além da capacidade humana de cognição. Disso decorria a necessidade da atenção redobrada por parte dos gentios na aprendizagem da geometria dos símbolos. “No grau em que Vocês se encontram parte do que será dito deve ser compreendido logicamente, enquanto o complementar da lição, apenas em sentido figurado. Entretanto, dependendo do tópico, a razão será mais ou menos requerida, enquanto exigir-se-á menos ou mais da subjetividade. Porém, e apesar da variabilidade sensorial, o nível de conteúdo dos tópicos é aproximadamente o mesmo – e assim deve ser entendido – visto tratar-se das sete formas de desdobramento do universo, que em sua essência, é sempre o mesmo.”
(a) A primeira figura é o círculo completo. Este é o símbolo do ponto indivisível, que representa o espaço infinito, onde habita o movimento incessante. O espaço pode ser diminuído, estricto – o que se dá pela redução do diâmetro da circunferência –, mas nunca dividido. Ao mesmo tempo, o círculo é infinito, o espaço que tudo contém, com seu diâmetro livre para crescer indefinidamente. A primeira forma é a desse movimento incessante, de expansão e de constrição, do ponto uno. Imanente a pulsar – o que é representado metaforicamente pelos círculos de menor e de maior diâmetro, desenhados em complemento ao símbolo original, característica dessa geometria.
(b) O segundo símbolo é aquele derivado do anterior: o círculo com um ponto central. Essa geometria representa o espaço infinito, com seu movimento incessante e a semente. A semente é o ovo primordial, que existe apenas em potência. Isto é, o ovo reside no universo das possibilidades, encontrando-se além do alcance, da compreensão do homem. Sobre a figura, o que pode ser dito é que toda semente assim é nalguma instância – e de alguma forma – para depois deixar de ser isto.
(c) Decorre então o círculo com um traço longitudinal partindo-o ao meio, que é a forma geométrica de terceira espécie. Seu simbolismo é aquele dos opostos: o claro e o escuro, o yin e o yang, a Lua e o Sol, dentre tantas outras dicotomias. Pode-se dizer que toda a experiência sensorial humana decorre de uma imensa colcha de retalhos dessa miríade de zeros e uns; destas partições binárias ponderadas num contexto específico da mente; isso caracteriza Maya ou aquilo que (erroneamente) chamamos de realidade – o que é e o que não é: a ilusão. Apesar da capacidade de abstração dessa idéia, ou conceito, até os símbolos de terceira instância não dá-se a vida, ao menos na forma como lha compreendemos no estágio atual. O importante no tocante a essa geometria em particular é termos em mente que da luz decorre a escuridão, que das trevas resulta a luz: é eterna a dinâmica do universo, por vezes simbolizada pela serpente (réptil peçonhento) ou dragão (criatura mitológica) a devorar seu próprio rabo, i.e. ourobouros.
Jorge ascendeu ao cume pela via tradicional trazendo consigo o fumo de rolo – diversão certa dos matutos habitantes das fazendas e sítios.
Antonio subiu o monte na hora acordada, trazendo uma resma de folhas de palha para a elaboração do cigarro caipira.
Diogo estava lá sentado; em pose essencialmente tosca; aguardava. Nada levou, além de seu corpo simplório e a determinação nauseante do por vir.
Jacinto, o último a apresentar-se dentre os quatro homens, trouxe num dos bolsos de suas vestes uma caixa com palitos daqueles de fósforo: auto-incandescentes pelo atrito de suas pontas.
Quando a bagana queimou firme, a bruma ergueu-se densa. Sobrepôs-se de forma inquebrantável ante o verde sufocante. Surgiu – como que miragem onírica – as formas fluídicas da sacerdotisa que dançava em suas vestes frouxas, alvas e deliciosamente translúcidas. Juliana em seus cabelos longos. Seios fartos e saudáveis de mulher madura. Pernas roliças, esculpidas em força e lisura inebriantes. Bunda que assuntava os céus. As estrelas num frêmito: tensão que dominava rígido o tesão dos homens simples e puros de suma ignorância quanto à natureza daquelas delícias.
Sacerdotisa Juliana iniciou a preleção afirmando que a compreensão de natureza sutil, da qual versava a disciplina, requeria a capacidade de distanciamento da aritmética tradicional, por se tratar de conhecimento antigo e intuitivo. Disse também que a totalidade destes ensinamentos, bem como a sua mais profunda significação, estava além da capacidade humana de cognição. Disso decorria a necessidade da atenção redobrada por parte dos gentios na aprendizagem da geometria dos símbolos. “No grau em que Vocês se encontram parte do que será dito deve ser compreendido logicamente, enquanto o complementar da lição, apenas em sentido figurado. Entretanto, dependendo do tópico, a razão será mais ou menos requerida, enquanto exigir-se-á menos ou mais da subjetividade. Porém, e apesar da variabilidade sensorial, o nível de conteúdo dos tópicos é aproximadamente o mesmo – e assim deve ser entendido – visto tratar-se das sete formas de desdobramento do universo, que em sua essência, é sempre o mesmo.”
(a) A primeira figura é o círculo completo. Este é o símbolo do ponto indivisível, que representa o espaço infinito, onde habita o movimento incessante. O espaço pode ser diminuído, estricto – o que se dá pela redução do diâmetro da circunferência –, mas nunca dividido. Ao mesmo tempo, o círculo é infinito, o espaço que tudo contém, com seu diâmetro livre para crescer indefinidamente. A primeira forma é a desse movimento incessante, de expansão e de constrição, do ponto uno. Imanente a pulsar – o que é representado metaforicamente pelos círculos de menor e de maior diâmetro, desenhados em complemento ao símbolo original, característica dessa geometria.
(b) O segundo símbolo é aquele derivado do anterior: o círculo com um ponto central. Essa geometria representa o espaço infinito, com seu movimento incessante e a semente. A semente é o ovo primordial, que existe apenas em potência. Isto é, o ovo reside no universo das possibilidades, encontrando-se além do alcance, da compreensão do homem. Sobre a figura, o que pode ser dito é que toda semente assim é nalguma instância – e de alguma forma – para depois deixar de ser isto.
(c) Decorre então o círculo com um traço longitudinal partindo-o ao meio, que é a forma geométrica de terceira espécie. Seu simbolismo é aquele dos opostos: o claro e o escuro, o yin e o yang, a Lua e o Sol, dentre tantas outras dicotomias. Pode-se dizer que toda a experiência sensorial humana decorre de uma imensa colcha de retalhos dessa miríade de zeros e uns; destas partições binárias ponderadas num contexto específico da mente; isso caracteriza Maya ou aquilo que (erroneamente) chamamos de realidade – o que é e o que não é: a ilusão. Apesar da capacidade de abstração dessa idéia, ou conceito, até os símbolos de terceira instância não dá-se a vida, ao menos na forma como lha compreendemos no estágio atual. O importante no tocante a essa geometria em particular é termos em mente que da luz decorre a escuridão, que das trevas resulta a luz: é eterna a dinâmica do universo, por vezes simbolizada pela serpente (réptil peçonhento) ou dragão (criatura mitológica) a devorar seu próprio rabo, i.e. ourobouros.
(d) O círculo com uma divisão longitudinal ao longo do diâmetro, acrescido de uma partição vertical de sua extremidade inferior até o centro da figura. Ou, simplesmente, o Tal. Esse símbolo da geometria de quarta espécie traz intrínseca a representação da trindade – eu, tu, ele. Caracterizam as formas mais simples de vida na Terra, os organismos unicelulares, e outros, cuja reprodução dá-se de forma assexuada, pelo mecanismo de bi-partição. Está também associada ao simbolismo de quarta espécie a noção dos fenômenos físicos; do vínculo estabelecido entre observador, objeto e o espaço-tempo. De fato, a geometria de quarta espécie é o pano de fundo de Maya.
(e) A cruz que divide o círculo em quatro partes iguais ao longo do seu diâmetro em direções ortogonais. Este é um símbolo fálico. Decorre daí a associação com as criaturas mais evoluídas de nosso planeta, cuja reprodução é sexuada. É fundamental o entendimento de que as formas simbólicas de quinta instância trazem em seu centro o germe da transfiguração (quinta-essência). De fato, toda a geometria apresenta – em verdade – o movimento, potência ou tendência natural evolutiva. O que se pretende enfatizar aqui, no que diz respeito especificamente às formas quíntuplas, reside no ponto central, à conexão da cruz: as relações estabelecidas entre o pai, a mãe e o filho levam, por indução, a todos os conceitos associados à transcendência: a interdependência, a continuidade da criatura, a ligação subjetiva do ser com o outro, o inconsciente coletivo, enfim – e no limite – todos somos um só.
(f) A geometria do símbolo hexagonal, apesar de sua grafia plana – o círculo com três partições ao longo do diâmetro – deve ser entendido como uma esfera bipartida em dois planos ortogonais. É observado que resulta da transcendência da quinta para a sexta instâncias a nova (terceira) dimensão do espaço simbólico. Esse nível de compreensão do universo transcende a percepção do humano. O nível quarto – também chamado de grau médio – é aquele onde a complexidade em Maya atinge o seu ápice, para a posterior depuração em estruturas organizacionais menos densas, em níveis subseqüentes que levam a sublimação. Toda a idéia já está sintetizada na geometria de primeira instância: o movimento incessante, de expansão e de constrição, imanente a pulsar.
(g) Como já foi dito, o universo desdobra-se em sete instâncias. O símbolo da geometria de sétima espécie deriva da anterior (como todas as demais): a esfera bi-partida em dois planos ortogonais, com um hexágono demarcado num plano (representando as seis diferenciações anteriores) mais o salto para fora (ou o ponto de fuga na extremidade superior do plano ortogonal). Resulta daí a forma elementar de sete lados. Observa-se que os lados internos do hexágono apresentam todos os seus ângulos internos de sessenta graus, enquanto os ângulos internos entre as faces opostas triangulares descrevem, todos, noventa graus. Os lados hexagonais têm comprimento igual à metade do diâmetro da esfera; enquanto os outros lados, cujo ponto de fuga é uma de suas extremidades, apresentam sempre o mesmo comprimento de raiz de dois sobre duas vezes o diâmetro. A geometria de sétima instância é de difícil abstração, mesmo para as criaturas que já abandonaram sua natureza predominantemente tosca. Mas é fácil provar que com oito figuras dessas monta-se uma nova esfera de diâmetro aumentado de raiz de duas vezes àquele original. Ou seja, a oitava forma geométrica é novamente o círculo perfeito, que é geometria elementar de primeira instância (e além): movimento incessante, de expansão e de constrição, o imanente a pulsar, infinitamente.
Jacinto risca um palito na caixa de fósforos e aproxima a chama dos contornos fluídicos de Juliana. O vestido da sacerdotisa se inflama e ela derrete-se; como o plástico quando vai ao fogo, condensa-se num múltiplo emaranhado, até o seu completo desvanecer. As brumas dissipam-se. Os quatro homens se encontram então novamente a sós, ao topo do silente e soturno monte.
– Caralho! Por que você fez isso? Brada Diogo, em voz inconsolável.
– Caralho é a porra: eu não estava entendendo picas do que ela dizia. Defende-se Jacinto, o bárbaro.
– Mas você é burro, hein?! Deixasse-a falar; uma puta gostosa dessas não é toda noite que aparece. Opina Antonio, todo matuto de si.
– Muito ainda terá de ser dito novamente. Nessa e noutras infinitas formas, tão saborosas quanto. E não restará pedra sobre pedra. É a fala do último dos gentios.
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