terça-feira, 7 de setembro de 2010

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Miguel - por Bruna Maria

(Com uma dedicatória que pode ser futura e talvez entre aqui.)





Quem era ele? Eu não sabia. E fiquei me perguntando por muito tempo quem poderia ser aquele sujeito que falava como que exausto, vencido por alguma força maior que ele – mas, não necessariamente melhor que ele. Quem era? Continuava a questão. Quando o vislumbrei, ele já falava, já falava por algum tempo e eu me perdia em cada uma de suas palavras. Eu demorava a assumi-las para mim, demorava a me abrigar em suas frases. Quem era ele, afinal? Fazia-se necessário saber. Pois que eu não poderia acatar os verbos de alguém, assim, desconhecido.

E ele falava.

As palavras se sucediam em um ritmo que não se resolvia – não para mim. Era um discurso sem ambição de sê-lo. E o que era falado se perdia em espirais, em vertigem. Mas não importava. O conteúdo que vigorava ali eu deixaria para depois. Um dia, quem sabe. Um dia em que ele tivesse um nome.

Seguia o meu espanto sobre a maneira como ele falava, a forma como a sonoridade saia de dentro de sua boca. Pura (e estranhíssima) acústica.

Quem era aquele sujeito sentado, desconfortável, quem era ele? Ele, que não parava de falar? Eu precisava de seu nome, eu precisava contorná-lo com um lápis rigorosamente negro, de traços firmes. A forma. Fundamental para espíritos assim, inquietos. A ambição – colocar limites, responder quem era, de onde vinha, o que fazia ali, o que estava dizendo, por que estava dizendo, por que, tantos por quês para justificar que eu vi seus ombros caídos e que, no fundo, era isso – em meus olhos os ombros pareciam caídos e, imediatamente, eu soube que ele era um homem infeliz. Ele não tinha nome e era um homem infeliz.

- Quem é você? – eu teria perguntado, se tivesse havido a oportunidade. – Quem é você que carrega esse estranho fardo? E por que é um fardo? Eles não te compreendem?

E quem são eles – eu não sei, eu também não sei e não sabia –; quem são eles?

Pode ser que eu os crie, apenas para responder à tristeza daquele sujeito que não parava de falar, e que contava com calma algo muito delicado, talvez constrangedor. (Eu não prestava a devida atenção.)
Logo eu quis saber de sua vida, com a curiosidade de uma pessoa simplesmente jovem. Eu precisava, mais do que nunca, de seu nome; mas não era possível descobrir. Toda a ânsia por desvendar começaria novamente, sem prover respostas. Era um ciclo vicioso. Seria – se eu o alimentasse dessa forma.

Então, por fim, decidi apenas imaginar a sua vida, registrando-o com um nome que copiei de algum lugar. Ele ficava, assim, mais próximo; era alguém; podia me revelar o que ia em cada uma daquelas palavras que ouvi sem perceber.

Ele tinha um nome, finalmente. Para mim, bastava. Ele podia ser chamado. Eu podia lhe dedicar predicados. Era o suficiente, afinal. Calava as indagações. E, mais: eu podia afirmar; eu já podia, enfim, pedir.

- Miguel, mostra-me este mundo que acho que é meu também.

Mas bem aí ele perdeu a voz. Restou apenas esse silêncio que segue.




Imagem: Stefan Beutler





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