
No final da conversa eu perguntei ao Ivo: “Vem cá, tu tinhas alguma formação política? Tu eras marxista, ou alguma coisa assim, por exemplo? O que te levou a querer participar de um MDB que estava nascendo?” (Para os mais jovens: MDB foi o antepassado do PMDB, a única opção que havia para os corajosos serem contra o governo da Ditadura.).
O Ivo me disse que não. Contou-me que era extremamente jovem, então, e que, como tal, gostava de rebelar-se contra o estabelecido. Foi isto que o levou ao MDB, sem a menor formação política, e contra a vontade da família. É muito engraçado o jeito como ele conta que sua mãe tinha tanto medo de vê-lo na oposição, que pedia para que ele se escondesse no mato.
Assim, tínhamos um jovem politicamente despreparado para lutar contra a Ditadura, e num instante ele foi preso, levado para o Quartel do Exército, onde amargou horas e horas esperando para saber o que iria acontecer. Finalmente, falaram com ele, e ele foi acusado de ser comunista. COMUNISTA? O que era aquilo? Gente, ele me garantiu que não sabia – foi depois daquela prisão que ele acabou indo se informar, entender o que era aquela palavra.
Bem, mesmo não sabendo o que era, o Ivo Hadlich, devidamente taxado de comunista, fazia seu papel no MDB. E como haveria eleições municipais, ele e um amigo saíram a ajudar o partido. O que levavam? Cartazes para colar nos postes, um balde de cola de trigo, e uma escada de carpinteiro. Onde é que carregavam tudo isso? Sobre uma minúscula lambreta, com suas rodinhas de nada – um dirigia e o outro ia no banco de trás, e os dois se equilibravam, principalmente na coisa de carregar uma comprida escada. Fica implícito que paravam a cada poste, encostavam a escada, subiam, e colavam lá em cima o retrato do seu candidato.
Daí, chegaram a uma região de Blumenau chamada Itoupava Central, onde funcionava a falecida Cia. Jensen, que muita manteiga e muita lingüiça produziu para todo o Brasil, no passado. Os nossos perigosos “ comunistas” também deram sua paradinha lá, para colar cartazes nos postes. E o que aconteceu? O guarda da Cia. Jensen, sem a menor cerimônia, foi lá e prendeu tudo: a lambreta, a escada, o balde de cola, os cartazes, mesmo estando eles em via pública e o guarda ser segurança de uma empresa particular.
E então, e então, o que aconteceu? Claro que o Ivo Hadlich e seu companheiro, jovens como eram, espernearam e reclamaram, até que o dono da empresa (o mesmo que mandara prender as coisas), acabou liberando tudo de novo. Já era noite, no entanto, e os nossos heróis receberam sua lambreta ... com o tanque cheio de areia! Que lhes restava fazer naqueles tempos difíceis, onde quase não havia condução? Um deles empurrou a lambreta, enquanto o outro carregava a escada e o balde, e pela rua escura e sem calçamento, andaram os doze quilômetros que faltavam para chegarem em casa. Ainda bem que eram jovens!
Pois é, este tipo de coisa era comum na Ditadura. Arbitrariedades aconteciam a toda hora. Quem não viveu aquele tempo, nem faz idéia. É por isso que gosto de contar um pouquinho, de vez em quando.
Blumenau, 11 de Abril de 2003.
Urda Alice Klueger
Imagem: Cildo Meireles, Rio de Janeiro, Brasil, 1948
Malhas de Liberdade, 1976
120 x 120 cm
Ferro e vidro
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