Aos trinta anos de idade Andras era muito respeitado como líder. Mas tem coisas que não se sabe por que acontecem. Embora jovem e forte, o pai de Sara contraiu uma doença que em pouco tempo o matou. Com a morte do marido, Carmem decidiu acompanhar um grupo de ciganos de sua tribo que estavam embarcando para a América do Sul. Sara estava com um ano.
O navio os trouxe até o Brasil, desembarcando-os no Maranhão. Esses ciganos recém-chegados foram descendo pelo litoral, alguns ficando pelos caminhos e adaptando-se aos locais por onde passavam. Outros, entre eles Carmem e sua pequena Sara, chegaram às costas escarpadas desta cidade, porque acharam lindo e ainda ficava próxima à capital. Instalaram-se por aqui. Eram cinco pessoas. Carmem e Sara, Serena e seu marido, e mais eu, seu filho Miguel. Como o costume cigano mandava, os adultos ganhavam a vida prestando serviço pela praia. As mulheres lendo mãos e fazendo prenúncios aos banhistas, e o marido de Serena, meu pai, vendendo mercadorias de toda espécie, como faço até hoje.
Quando Sara e eu completamos dois anos, Carmem conheceu Valey e seu marido. Também ciganos, mas que viviam de maneira diferente da nossa. Ficou emocionada porque o companheiro da nova amiga chamava-se Andras, como seu amado que se fora. Chorou com a pequena Sara agarrada a seu pescoço lembrando-se do tempo feliz com seu marido. Valey estava grávida do primeiro filho. Nasceu dela uma linda menina que se chamou Reika.
Um ano após o nascimento de Reika, o marido de Serena, meu pai, contraiu um vírus e faleceu. Minha mãe, Carmem, Sara e eu, passamos a viver quase como mendigos, porque só a leitura de mãos não dava para sobreviver. Andras e Valey nos ajudavam como podiam, porque também não eram ricos.
Essa vida nômade e pobre, levou minha mãe a ficar muito doente, e sem remédios nem um local adequado para repouso, faleceu.
Carmem, com Sara e Miguel para alimentar, se socorria com Andras e Valey. Com isso, nós as crianças ficamos amigas e passamos a andar sempre juntas.
Passaram-se dez anos da chegada de Carmem e Sara ao Brasil. Sara e eu estávamos com doze anos, Reika com dez e seu irmão André com oito anos. Nós os pequenos ciganos, nos unimos com as demais crianças do bairro e formamos um alegre e barulhento grupo, que todos os dias subia pelas trilhas que levavam ao farol. E lá éramos os reis. Brincávamos todo o tempo que Reika e André não tinham aulas na escola local. Sara e eu não estudávamos. Aprendíamos apenas os ensinamentos ciganos passados por Carmem. Ela achava que Sara por ser consagrada à Santa Sara que é a padroeira dos ciganos, devia ser iniciada apenas a esses ensinamentos, e nada mais. E eu a acompanhava.
Carmem nos ensinava que para sobreviver em um mundo que despreza os valores verdadeiros, é necessário que homens e mulheres, os quais são as peças de formação deste planeta, olhem se o rastro que deixam marca o caminho, ou se perdem nas ondas com o vento. Precisamos notar mais se a areia da maldade se transforma em pedras, que lançadas destroem lares e machucam almas, porque tudo o que se faz é revertido em maiores proporções para quem o fez, seja o que for. É bom olhar com cuidado as subidas, porque nas descidas que precisarmos fazer, pode estar aquele que nele se pisou ao subir, e que agora pode estar subindo também. A maioria das pessoas vive como se nunca fossem morrer, e esquecem que a verdadeira felicidade está no amor. Os prazeres vão e os que ficam em nossas vidas, são aqueles que verdadeiramente nos amam.
Esses ensinamentos entre muitos outros, passados a nós por Carmem nas horas de estudos, iriam nos valer muito no decorrer da vida.
Sara e eu completamos quinze anos. Nômades e felizes corríamos pelas praias, orientados por Carmem, a cigana que ficou conhecida de todos os frequentadores assíduos daquela parte da cidade.
Em um domingo de madrugada Carmem passou mal, sentindo muitas dores e com febre alta. Corri à casa de Reika para pedir ajuda. Andras e Valey foram até a tenda de Carmem o mais depressa que puderam. A cigana passava muito mal. Levaram-na ao hospital, mas já era tarde. Carmem olhando os amigos e a filha falou:
– Neste momento entrego à Santa Sara os seres que estavam ao meu cuidado: Sara e Miguel. Vocês meus amigos, Andras e Valey, que tanto estiveram presentes nesses anos todos, sejam seus novos guardiães, mas não se preocupem, porque O Divino Pai estará orientando-os nessa incumbência. Deixe-os livres, ciganos de nascimento e coração, nossos ancestrais ficarão felizes por eles continuarem nossos costumes e nossas crenças, porque alguém precisa dar continuidade às nossas tradições. Pena que eles não terão vida longa. Reika tem uma grande missão, e Sara irá ajudá-la enquanto estiver neste plano terreno. Vou em paz.
Dizendo isso expirou.
Após a devolução da matéria de Carmem ao pó da Terra, Sara e eu permanecemos fiéis aos ensinamentos por ela deixados. Os costumes dos ciganos seriam mantidos por nós como fora aprendido.
– Que linda história Miguel!
– Fico feliz que gostou. Chegamos!
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