domingo, 24 de outubro de 2010

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assinatura - sonia regina




Do lado de fora ou de dentro do tempo a chuva não corrige déficits ou excessos

Molha, lava, escorre nas horas que se misturam às teclas, na impressora que recusa o verbo que remete a códigos e mantém a poesia submetida a normas

Não quero para o poema um corpo modelado por um espartilho de representações

Não quero que as palavras sejam instrumentos ortopédicos e ortopráxicos

Porque o meu poema não se alimenta da tradição vendida nas esquinas de nutrição desavisada que forma e identifica

Porque o meu poema não retrata o vivo, o morto, a alma, o corpo, nem padece de regulações

Porque o meu poema é imponderável e inexato, é inesperado e transita com extravagância na previsibilidade, foge do intelecto

Porque o meu poema tem uma cadência própria, sensível arritmia, balanço imperscrutável

Porque o meu poema é inflexível no contraponto à harmonia que enlouquece, às sílabas que se apagam e iluminam nos sussurros (o meu poema sopra e murmura)

Porque o meu poema bebe no paradoxo da letra a dúvida e a convicção

Porque o meu poema come na dialética a contradição entre a luz e a sombra

Porque o meu poema não se enquadra, não se sujeita a normas amigas, fraternas, maternais, que regulam e moldam os versos selecionados por modelos de significados que igualam os corpos que caminham por esquemas disciplinados

Porque o meu poema continua inconformado e inquieto, é irreverente, insolente, desobediente a leis que o façam dizer o código que unifica os corpos confinados em um tônus que formata trilhas

Meu poema tem uma habitação

O corpo que não quer acrescentar ao que falta; complementa

O corpo que busca o que não foi escrito, refeito, cultivado

O corpo na fronteira extrema da palavra

O corpo que fura a simbólica como uma onda do mar

O corpo que é chão, rés, solo, território sem terra, ar, água, fogo, concreto ou mitos

O corpo que é cenário de vocábulos desvirados, significados desditos

Meu poema mora na pele, na carne, no sangue, nas entranhas, na ausência de cor, som, tempo, espaço

Meu poema reside no espanto, no assombro, no impacto, na emoção, na exaltação dos sentidos

Meu poema transpira, respira, é o grito que escapa e dá voz

Ao mistério, ao secreto,

ao privado, ao íntimo

Ao outro que com ele irrompe

no fascínio

Ao que é sua diferença e similitude,

anima, paixão, loucura e drama

Ao que é vigor, ternura, clima



Do brado que afirma - e com ele assina -

meu poema é firma.




 
 
 
Imagem:  Abdul Kadi Raudah

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