1
- diário de um gago
Cansado do império bárbaro imposto pela TV, Filó se decide
pela leitura de um bom livro. Na livraria repleta de códigos, de
máquinas que substituem o velho calor dos bons tempos, ele
pergunta ao único e solitário atendente:
- O que é que o senhor recomenda?
O homem, radiante por ainda ser considerado útil num tempo
de computadores, se anima e solta o verbo:
- Temos aqui o último lançamento da filosofia francesa, 10
milhões vendidos no mundo inteiro. Também o último Prêmio
Nobel, o penúltimo, o antepenúltimo até. Temos ainda a biografia
daquele famoso, a autobiografia daquele outro e et cetera. Isso
sem falar nos clássicos, que são o nosso forte.
Filó, confuso com tantas informações, hesita. Um livro acaba
por chamar a sua atenção.
- Ah! – diz o atendente. – Esse é o Diário de um Gago.
Fenômeno editorial, 100 milhões vendidos no mundo inteiro.
- E trata do quê? – pergunta um Filó curioso.
- Do que trata, exatamente, isso eu não sei. O que eu sei é
que vende, e se vende é bom, mesmo que não seja.
Convencido por tão brilhantes argumentos, Filó sai da livraria
com o “fenômeno” embaixo do braço. Esse mundo literário é
mesmo muito curioso, pensa ele.
2
- o país das siglas
As siglas vêm em ondas, como o mar: US$, BC, FHC; UPC, CDB,
FGV; CDI, FMI, TCU; BM&F, CPMF, IR, TR; TJLP, ALCA, DIEESE; PC,
RG, FGTS; CIC, PIS, INSS; R$, etc., etc.
Filó, náufrago em terra firme, é forçado a exclamar:
- PQP!*
*ILMO. leitor: como v. já deve ter notado, os palavrões não fazem parte do vocabulário do
nosso Exmo. Filobônio. Não é elegante o seu uso, não é politicamente correto. Portanto, atribuam a mim
o emprego do PQP! Filó, como fica bem claro acima, foi forçado. Eu forcei.
3
- realidades concretas
1:-
MURO GRADE MURO GRADE MURO
MURO GRADE MURO GRADE MURO
MURO GRADE filó GRADE MURO
MURO GRADE MURO GRADE MURO
MURO GRADE MURO GRADE MURO
2:-
muro grade muro grade muro
muro grade muro grade muro
muro grade FILÓ muro grade
muro grade muro grade muro
muro grade muro grade muro
4
- filósoficas XIV
- política é a arte de engolir sapos, eles dizem
então viver é a arte de engolir hipopótamos, digo eu
5
- buracos
Numa tarde cinzenta, depois da chuva e depois da enchente,
Filó sai pela cidade enlameada à caça de buracos.
Caminha sem pressa, assobiando uma canção perdida no
tempo, com uma enorme sacola à tiracolo. E das ruas devastadas
pelo descaso vai recolhendo os buracos, um a um, depositando-os
na sacola que parece não ter fundo nem ter fim.
Na boca escancarada da noite que promete mais chuva e mais
enchente, Filó retorna pra casa, torto de tanto peso, a sacola
cheinha de buracos vazios. No quintal, um buraco ainda maior
recebe os buracos da sacola, engole-os, incorpora-os a si mesmo.
Missão cumprida, Filó descansa para mais um dia.
Enquanto isso, na TV, o prefeito informa à cidade que a
redução dos buracos se deve ao desempenho da sua administração,
que não mede esforços e trabalha noitedia em nome do bem-estar
social.
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