sábado, 23 de outubro de 2010

0

FILOBÔNIO FILÓ - parte 16

1
- o despertar

De repente, Filó se percebe sem voz.
Na farmácia, procurando um remédio para o seu mal, ele
tenta escrever um bilhete que explique o seu drama. Não
consegue: as palavras estão todas perdidas.
Na rua, mudo e sem palavras, Filó percebe que está sem
sombra. E que os espelhos das lojas não refletem mais a sua
imagem.
Sem voz, sem palavras, sem sombra, sem imagem, Filó
vagueia pela cidade se sentindo ninguém. E ninguém na rua o
percebe – está invisível.
Sem nada mais que o caracterize, Filó grita – mas ninguém
ouve. E pula, agita os braços – mas ninguém, ninguém vê.
Filó pensa – mas não existe. Sente – mas não está. Resta-lhe
apenas despertar. E é isso o que ele faz.

2
- no cemitério

A manhã bonita e luminosa decora as alamedas do cemitério
com finos raios de sol. A brisa matinal, leve e suave, percorre os
túmulos e pode-se dizer que se detém em cada um deles,
emprestando-lhes um toque de vida e frescor. Os passarinhos, em
festa, fazem a barulhada: saúdam o novo dia.
Filó, que é um apaixonado pelas coisas do mundo, passeia
tranqüilo pelas alamedas do cemitério. Como a brisa, detém-se em
cada túmulo e em cada túmulo deposita não flores, nem lágrimas,
mas sorrisos e gestos delicados. Parece mesmo que em cada lápide
reencontra um velho amigo.
O coveiro, que há tempos vem observando o comportamento
de Filó, resolve interpelá-lo durante uma visita:
- O senhor fala com eles?
- Com eles?
- É, com os mortos.
- Ah, não, eu não falo com os mortos.
- Ah, bom!
- Os mortos é que falam comigo. Tão sozinhos, coitados,
precisam de alguém que os ouça. É por isso que eu venho.

3
- filósoficas XV

- escrevam no meu túmulo: agora eu tô por dentro
vocês aí é que tão por fora...


4
- o mundo ideal

Soterrado por toneladas de barulho urbano e de informação,
um estressado Filó desliga a TV, joga os jornais pela janela e se
põe a sonhar com um mundo novo, um mundo ideal, regido
unicamente pelo mais absoluto silêncio e pela ausência total da
imprensa.
Em seu novo mundo instaurado pelo sonho, Filó só recebe
notícias da natureza, do trovão que anuncia a chuva e do
crepúsculo que antecede a noite. No mais, o silêncio é a tônica da
vida, e a vida assim corre bem.
Toda essa vida ideal, porém, não resiste ao chamado da
maldita campainha. Como que sacudido por mãos invisíveis, um
Filó de carne osso recém-saído do sonho vai atender, e ao abrir a
porta o pesadelo da vida moderna em forma de barulho invade a
casa. E, do lado de fora, ninguém, apenas um folheto promocional
que informa ao possível comprador os benefícios da vida em um
condomínio longe da cidade, um lugar perfeito onde só a natureza
dá notícias.

5
- perdido no centro

Filó perdido no centro. Uma boa alma explica como se
encontrar:
- Bão, primeiro de tudo o senhor segue essa rua, essa aqui em
frente. No fim dela, lá no final, o senhor quebra às direita e
também vai até o final. Aí o senhor quebra outra vez às direita e
depois às esquerda. Aí tem o Fórum, a Caixa Econômica fica um
pouco atrás, aí o senhor segue de novo, vai em frente, e onde tem
um banco o senhor não vai porque não é lá, volta um pouco e
quebra de novo às esquerda, tá me entendendo? Na esquina tem
um bar, se der sede. Aí lá o senhor pergunta de novo que eu acho
que fica perto.
Filó agradece a ajuda do homem e se despede. Às esquerda,
às direita. Fácil. Ir em frente, voltar, quebrar. Como é que é?
- Senhor, por favor! – Filó novamente pedindo ajuda.
- Bão – responde o novo informante. – É muito simples. O
senhor vai ali e quebra às esquerda, três ruas pra cima tem a
catedral...

Seja o primeiro a comentar: