quarta-feira, 27 de outubro de 2010

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Olhos de Selva Azul [13] - Lenine de Carvalho
























 
XIII.


Há três dias já que navegava pelo Abunã, desde que o sol nascia até que a noite principiava.

Não tinha um destino certo.

Ainda em São Paulo, quando planejara fazer mais uma de suas viagens, debruçado sobre o mapa, resolvera escolher o Abunã por ser um local remoto e sem indícios da civilização por perto.

Pelo meio da tarde, descobriu um pequeno rio que desaguava na margem direita do Abunã.

Dirigiu o barco nessa direção e resolveu explorá-lo um pouco.

O rio era estreito, com uns vinte metros de largura, de águas brancas limpíssimas, e surpreendentemente fundo para sua pouca largura.

Corria sobre um leito de pedras brancas e areia dourada.

Após algumas dezenas de metros de haver entrado nesse pequeno rio, maravilhou-se com o espetáculo que se abria ante seus olhos.

Dos dois lados do rio, em ambas as margens, cresciam figueiras gigantescas, cujas copas no alto, tocavam-se muitas vêzes, fazendo o rio parecer um túnel verde e líquido.

Garças brancas e flamingos rosados, passeavam lentamente pelas margens.

Mais a frente, uma lontra saltou dentro da água e a pouca distância ficou olhando-o curiosa.

Notou espantado que animais e aves olhavam-no sem medo, apenas curiosos.

__"Isto deve ser o Éden." Pensou. __"Provavelmente nunca tiveram contato com o homem dito civilizado antes."

O maravilhoso túnel verde fazia curvas suaves, ora à direita, ora à esquerda.

Resolveu parar numa das margens, para consultar o mapa, mas como imaginava, o pequeno rio não constava do mapa, mas como havia virado à direita, o rio provavelmente vinha do Peru, cuja fronteira não poderia estar muito longe.

Continuou navegando o resto do dia, num estado de deslumbramento sem fim.

Quando anoiteceu, armou o acampamento para passar a noite.

No outro dia, com os primeiros raios de sol, deu partida no motor, e recomeçou a navegar.

Notou que o rio começava a estreitar-se pouco a pouco, mas ainda permitindo a passagem do barco sem problemas.

A paisagem era a mesma beleza primitiva, pura, quase irreal.

Pela metade do dia, após uma curva quase abrupta para a direita, viu algo que o fez perder o fôlego de surpresa, e trouxe-lhe lágrimas aos olhos de emoção.

O pequeno rio terminava numa cachoeira de uns dez metros de altura, numa parede de pedra, brilhante, e em ângulo reto com a água.

Um pequeno lago, de águas tranqüilas, formava-sea partir do ponto onde as águas caiam.

Na margem direita, um terreno plano, limpo, coberto com a mesma areia fina e dourada que ele já observara antes, com árvores altíssimas ao redor, por onde filtravam-se os raios de sol, parecia uma pintura surrealista.

Encostou o barco na margem, desligou o motor e ficou em êxtase, admirando tudo.

O local que estava procurando sem saber como seria, estava ali.

Era aquele.

A lembrança dela atingiu-o novamente, dolorosamente.

__"Como ela gostaria de estar vendo tudo isto!

Como seria bom se ela estivesse aqui!

Como seria bom abraçá-la agora!...

Oh! Meu Deus, por que ela se fora?"

Tentou afastar os pensamentos, sem conseguí-lo totalmente e começou a transportar todas as coisas do barco para a clareira entre as árvores.

Com o acampamento montado, resolveu subir até o alto da cachoeira para ver o que havia atrás.

Desafivelou o cinturão com a pistola, para não atrapalhá-lo, e apenas com a faca de caça presa pela bainha no quadril esquerdo, começou a subir o pequeno barranco, agarrando-se com as mãos em pequenos arbustos e raízes descobertas.

Em poucos minutos estava de pé sobre uma lage de pedra, no topo da cachoeira.

O rio continuava, mais raso, a correr sobre um leito de pedras, vindo com certeza do Peru, e logo após a cachoeira havia uma espécie de vale, a perder-se de vista, com morros pouco pronunciados, tudo coberto pela selva.

Dando as costas para o rio, observou a cachoeira lá embaixo.

O lago parecia ser bastante profundo, talvez fosse possível mergulhar nele do alto da cachoeira.

Mais abaixo, à esquerda via o barco de alumínio amarrado a uma castanheira.

Um pouco mais à esquerda, sua pequena barraca armada na sombra, e em frente a barraca a rede esticada entre dois troncos de árvores.

Seria agradável, mais tarde, depois que tivesse providenciado algo para comer, deitar-se na rede e descontrair-se um pouco.

O corpo andava reclamando por ficar tanto tempo sentado dentro do barco.

Continuava olhando absorto, o rio que continuava depois da cachoeira, quando sentiu uma vaga sensação de presença atrás de si.

Voltou-se como um raio, e deu de cara com a onça negra, a poucos metros dele, sentada sobre as patas traseiras, como um enorme gato lustroso, e olhando-o com os olhos amarelos cheios de curiosidade.

A mão direita desceu veloz em busca da pistola e imobilizou-se no quadril vazio.

A onça continuava a observá-lo curiosa e atenta.

Lentamente moveu a mão para o quadril esquerdo e empunhou a pesada faca de caça, com a ponta levemente voltada para cima.

Com a faca solingen, de lâmina grossa e afiada como uma navalha firmemente empunhada, aguardou.

__" Raios! Bem que mereço ser comido, pensou.

Portar-me como um novato depois de tantos anos, é o fim.

Que imbecilidade ter deixado a automática lá embaixo.

Ou ter subido até aqui sem o rifle!

Se ela resolver atacar, pouco ou nada vou poder fazer com esta faca!"

Continuava observando a onça, olhos nos olhos, notou os bigodes longos, brilhantes, a poderosa musculatura que ondulava sob os pelos negros.

A onça parecia n+o ter pressa para nada no mundo.

__"Posso saltar no lago lá embaixo, pensou.

Mas se não tiver profundidade suficiente, posso quebrar o pescoço, ou se saltar de pé poderei quebrar a espinha. Raios!"

Então, a onça levantou-se, espreguiçou-se longamente, deu meia volta, e desinteressada daquele bicho estranho que continuava imóvel em sua frente, trotou dignamente em direção às árvores próximas.

Com um suspiro de alívio, ele guardou a faca na bainha e desceu para o acampamento.
 

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