sexta-feira, 29 de outubro de 2010

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Olhos de Selva Azul [15] - Lenine de Carvalho
























XV.


Precisava arranjar algo para comer, antes que anoitecesse. 

Não precisou sair de perto da barraca para avistar perto dali, a palmeira anã, com dois metros de altura e o tronco cheio de espinhos.

Sabia que no topo da palmeira havia um palmito delicioso, com quase meio metro de comprimento, por mais de vinte centímetros de diâmetro.

Branco, macio e nutritivo.

Com o facão de mato, começou a derrubar a palmeira, com cuidado para não ferir-se nos espinhos.

Ouviu então um zumbido não muito longe.

Parou seu trabalho com o facão para ouvir melhor.

Abelhas! Era muita sorte!

Guiando-se pelo barulho, descobriu a colmeia num tronco seco de uma figueira morta. Rapidamente ajuntou perto do tronco um monte de gravetos e folhas verdes e acendeu-o . A fumaça logo espantou as abelhas e com a faca ele cortou grandes favos de mel, colocando-os numa tigela de alumínio. Cuidou para não danificar muito a colmeia, para que as abelhas voltassem e continuassem ali. Isso feito, apagou cuidadosamente o fogo e voltou para a barraca.

Perguntou-se se haveria peixes naquele trecho do rio, ou mesmo no pequeno lago formado pela cachoeira.

Vários pássaros estavam nas árvores ao seu redor.

Agarrou o rifle 22 e mirou cuidadosamente na cabeça de um pequeno pássaro colorido. O estampido seco e abafado quase não perturbou a paz do local, misturando-se com o ruído da queda d’água próxima.

Apanhou o pequeno pássaro sem cabeça e espetou-o num anzol médio. Armou uma das varas de nylon com um molinete, prendeu um encastoamento de aço na extremidade da linha e neste o anzol iscado com o pássaro.

Aproximando-se da margem do rio, arremessou o anzol sem chumbada, onde havia uma corredeira sobre as pedras. Destravou o molinete deixando que a força da água fosse desenrolando a linha. Instantes depois sentiu a linha esticar-se, travou o molinete e a vara curvou-se violentamente em sua mão. O dourado saltou fora da água vinte metros abaixo, saltou mais duas vezes, sacudindo a cabeça, tentando livrar-se do anzol e depois começou a ziguezaguear contra a correnteza, querendo escapar.

Com grande perícia recolheu a linha e na extremidade dela o dourado de uns três quilos.

Com a faca de caça cavou um amplo buraco no terreno macio e fez uma fogueira dentro.

Limpou o peixe e temperou-o apenas com sal. Envolveu-o com várias camadas de folhas largas e verdes, misturou água com a terra que havia tirado do buraco e cobriu as folhas com uma espessa camada de barro. Olhou o peixe que estava envolto em folhas e coberto de barro, enterrou-o nas brasas da fogueira e cobriu o buraco com terra. Duas horas mais tarde, reabriu o buraco, o barro havia se solidificado. Quebrou-o com as costas da faca e desembrulhou o peixe. O aroma estava divino.

A mesa desmontável e o banquinho de lona estavam armados na frente da barraca. Olhou para a sua refeição: Dourado assado, palmito e mel de abelhas.

"__Nada mal, pensou. Mais saboroso, leve e nutritivo do que em muitos restaurantes de cidade grande."

Antes de comer, resolveu nadar um pouco no lago. A água era fresca sem chegar a ser fria.

No meio do lago havia uma pedra imensa, que aflorava à superfície, nadou até lá e sentou-se.

Novamente a lembrança dela foi se insinuando, devagarinho... Andava lutando contra as recordações dela havia muito tempo. Às vezes sucumbia à dor e ao desespero, mas sempre lutava contra isso.

De cima da pedra, completamente nu, mergulhou no lago e nadou em direção a queda d’água. Deixou-se ficar sentado, de costas embaixo do jorro de água que caia lá de cima, a água massageando-lhe fortemente todos os músculos do corpo.

Sentado à mesa, comeu com grande apetite o peixe, e o palmito misturado com mel. Deitando-se na rede, abriu um dos volumes da obras completas de Garcia Lorca. Tentou introduzir-se no maravilhoso universo de Lorca, mas não conseguiu. O rosto dela começou avolumar-se ante seus olhos, e ele decidiu não lutar mais contra as recordações.

Os olhos verdes-azuis foram surgindo como se viessem de muito longe, aumentando, aumentado até tomarem conta de tudo. __"Olhos de Selva Azul... murmurou..."

E deixou-se mergulhar então dentro daqueles olhos que o chamavam...

Um dia na Universidade, ela apareceu em seu gabinete perguntando-lhe sobre um determinado livro. Ele lembrou-se então que possuía esse livro em sua biblioteca em seu apartamento. Como ela tinha certa urgência do livro, ele deu-lhe as chaves do apartamento e pediu-lhe para ir buscá-lo lá.

Ela a princípio recusou-se, agradecendo-lhe. Disse que não queria aborrecê-lo ou causar-lhe transtornos. Ele insistiu e convidou-a novamente para jantar. Disse-lhe que quando saísse deixasse as chaves com o porteiro do edifício.

À tarde, quando deixou a Universidade, comprou um buquê de flores para ela, pensando onde a levaria para jantar. Conhecia um lugar acolhedor, com bom vinho, música cigana e ambiente romântico.

Ao chegar em seu apartamento, lembrou-se que ela devia ter deixado a chave com o porteiro lá embaixo, mas não importava, pois ele tinha outra chave.

Abriu a porta e imediatamente sentiu o suave perfume dela. Deixou as flores na sala e dirigiu-se ao quarto para apanhar uma toalha, pois pretendia barbear-se e tomar um prolongado banho de banheira. O perfume dela persistia, começando a exitá-lo. Resolveu ir até a biblioteca para ver se ela havia encontrado o livro. A porta estava entreaberta, e reclinada numa poltrona, profundamente adormecida se encontrava ela. Os cabelos louros, espalhados em volta do rosto e os olhos fechados davam-lhe um ar angelical como ele nunca tinha visto antes em ninguém. Por baixo da blusa, os seios subiam e desciam suavemente, ao ritmo da respiração.

Sentiu uma ternura imensa por ela...

Ajoelhou-se e ficou um longo tempo observando-a .

Como era linda! Então beijou-a suavemente numa das faces. Ela abriu os olhos assustada. Olhou-o e disse: __Oh! Acho que adormeci! Que horas são?

__"São seis horas da tarde."

__"Meu Deus! Tudo isso? Preciso ir embora."

__"Não, fique. Vamos jantar aqui. Eu preparo algo para nós dois."

__"Mas..."

__"Espere, trouxe algo para você." Saiu e foi até a sala buscar as flores. Quando lhe entregou o buquê ela levantou-se e abraçou-o . Ele sentiu seu corpo firme e macio, os seios comprimindo-se contra seu peito. Tomou seus rosto entre as mãos e beijou-a longamente. Deixou sua mão direita escorregar até o seu seio esquerdo e apertou-o levemente. Ela deu um gemido baixo mas não o repeliu.

A partir daí, tudo aconteceu muito rápido.

Abaixando-se, passou seu braço direito sob as pernas dela e com grande facilidade ergueu-a no colo. Atravessou a biblioteca com ela nos braços e levou-a para o quarto, deitando-a na cama.

Os olhos azuis estavam completamente verdes.

Sem deixar de beijá-la e acaricia-la despiu-a completamente. O corpo tinha formas maravilhosas. A pele toda era de cor de ouro, os seios magníficos tinham bicos rosados, levemente salientes e voltados para cima. Despiu-se também e sentiu-a toda úmida. Deitou-se então sobre ela e constatou surpreso que ela era virgem, estava contraída e abraçava-o com muita força. Deitou-se então novamente ao seu lado, puxou-a sobre si e ficou beijando-a e acariciando-lhe as costas e as nádegas. Depois levantou-se, tomou-a novamente nos braços e levou-a até o banheiro. Encheu a enorme banheira com água morna e entrou junto com ela, sempre acariciando-a e conversando em voz baixa com ela, descontraindo-a . Voltando novamente para o quarto, deitados na cama, começou a beijar-lhe todo o corpo, os lábios, o pescoço, os seios, passou a língua pelo seu ventre dourado, as coxas, as nádegas, e então começou a beijar seu sexo, mordendo de leve seu clítoris, e sentindo-a estremecer. Então, começou a penetrá-la lentamente, suavemente, carinhosamente, fazendo todo o possível para evitar-lhe dor desnecessária.

Após o ato de amor, deitou-se ao seu lado, acomodou a cabeça dela em seu ombro e acariciando-lhe os cabelos perguntou-lhe:

__"Como se sente?"

__"Um pouco trêmula, mas feliz!"

Ela passou a noite em seu apartamento, beberam vinho, ele preparou uma ceia, mostrou-lhe todo o apartamento, ele queria vestir-se, mas ele insistiu que não, assim passearam por todos os cômodos completamente nus, e era uma festa para seus olhos contemplá-la andando, sentando-se ou abraçando-o .

Mostrou-lhe sua coleção de armas, pelos de animais selvagens, objetos indígenas, fotografias de lugares por onde tinha andado, no Brasil e no exterior. Fotos de Índios, da selva, do crepúsculo nos grandes rios...

Possuíram-se várias vezes durante a noite e dormiram abraçados.

A partir dessa noite, passavam juntos todas as noites, em seu apartamento ou no apartamento dela.

Todos os fins de semanas iam viajar, ou para alguma praia, ou acampavam na serra do mar, escondidos na mata atlântica. Ela revelou-se uma companheira e tanto nos acampamentos. Tinha disposição para tudo, e suportava contente grandes caminhadas entre as árvores, com uma pesada mochila das costas.

Por insistência sua, ela acabou vindo morar com ele em seu apartamento. Ele sentia-se feliz e completo como nunca se lembrava de haver se sentido antes. Fazia amor com ela todas as noites, e era extremamente excitante iniciá-la nos jogos do amor.

Depois, enrodilhava-se como um gato, parecendo bem pequeno, e adormecia em seus ombro, com ela acariciando-o . Quando despertava pela manhã, encontrava-a sorrindo para ele. A vida estava muito bonita.

Uma tarde, ele entrou no apartamento com os olhos brilhando.

__"Você não vai acreditar!"

__"Pela sua expressão imagino que sejam boas notícias."

__"Acabo de receber um convite da Universidade de Salamanca, para proferir uma série de palestras sobre Federico Garcia Lorca!

Já imaginou? Na própria Espanha! Eu, um brasileiro falando em espanhol, para uma platéia de espanhóis cultos, sobre um outro espanhol ilustre! Acho que estou em estado de choque!

__"Estou tão orgulhosa de você!

E foram para a cama. Seu relacionamento sexual havia amadurecido. Começavam a possuir-se ternamente e acabavam fazendo amor como tigres.

Exploravam ao máximo o corpo um do outro, extraindo todo o prazer que podiam dar-se.

Deitados, ainda ofegantes um ao lado do outro, ela disse:

__"Eu o ajudarei a preparar os textos das conferências. "

__"Quero que você venha junto! "

E assim passaram um mês na Espanha. Ela nunca tinha saído do Brasil, e ele levou-a também para Londres, Leipzig, Paris, Hamburg e Roma. De volta ao Brasil, ele disse:

__"Case-se comigo!

__"Porquê? "

__"Por que eu a amo. Por que você me faz feliz. "

__"Não é necessário que nos casemos. Vivemos tão bem assim. Somos bem recebidos em todos os lugares sem sermos casados. Vamos continuar assim.

__Porque você não quer?

__Observando todas as pessoas casadas que eu conheço, cheguei a conclusão que o casamento tem como finalidade principal, fazer com que as pessoas se tornem inimigas! Na verdade estou emocionada e feliz por você me haver pedido, mas tenho medo. Acho que não precisamos de nenhum papel que ateste que somos obrigados a sermos felizes.

__Veja, minha querida, há três fatores fundamentais para que um homem e uma mulher se realizem juntos: Colocando a mão em sua testa disse: __É necessário que ambos tenham o mesmo grau de inteligência, o mesmo Q.I., uma cultura equivalente. Colocando a mão direita entre seus seios, continuou: __Também é preciso que o fator emocional, a maneira de sentir as coisas, o que faz rir e o que faz chorar, seja o mais semelhante possível para ambos. E por fim, o mais difícil, e talvez o mais importante, disse, acariciando-lhe o sexo: __É imprescindível que na hora do amor, tudo dê certo, cada vez mais e mais! E nós, meu amor, formamos uma simbiose perfeita!

Ela abraçou-o com força e beijou-o

Ele não insistiu mais na idéia de casamento.

Um dia, resolveu ensiná-la a atirar.

Explicou-lhe o funcionamento de cada uma das suas muitas armas, como montá-las e desmontá-las, como enquadrar a massa de mira na alça de mira, fazer pontaria um pouco abaixo do alvo, para compensar o recuo da arma, o controle respiratório, quando se tratava de um alvo fixo, e o cuidado com as munições.

Ela interessou-se desde o início, e para imensa surpresa sua, revelou-se uma atiradora infalível. Com crescente espanto via-a acertar alvos minúsculos à distâncias inconcebíveis. Tinha a mesma pontaria com todas as armas, rifles, revólveres e pistolas. Desde que o alvo fosse parado ou estivesse em movimento lento, ela não errava um único tiro. Na verdade acabou atirando melhor do que ele.

Tentou ensinar-lhe o tiro instintivo, que é quando se dispara sem se fazer pontaria, olhando com os dois olhos abertos para o alvo, esteja ele em movimento ou não, a mão movendo-se com a velocidade do raio, empunhando, sacando e disparando a arma. Mas ela não conseguia velocidade suficiente. Entretanto desde que fizesse pontaria ela não errava.

Uma tarde, trouxe-lhe um embrulho, embalado em papel de presente. Toda curiosa, ela abriu-o Era um revólver Colt, calibre 32, cano longo, oxidado azulado, com cabo branco de nácar. Ela adorou-o .

Havia quase um ano que estavam morando juntos.

O amor era maravilhoso, a ternura infinita, a harmonia perfeita. A vida corria muito bonita. Muito.

Uma tarde, estava conversando na Universidade com um colega de trabalho, quando os olhos dela apareceram em sua mente. Por mais que se esforçasse para manter a conversação com o colega, a imagem dela tomava conta de seus pensamentos. Os olhos tornavam-se ora azuis, ora verdes.

Cresciam e diminuíam.

Começou a sentir uma espécie de mal estar físico. Resolveu ligar para o apartamento, do seu gabinete. Quando encostou a mão no telefone, ele tocou. Era para ele. Uma voz estranha, de homem, pedia-lhe para ir ao apartamento que tinha havido um acidente. Em pânico, dirigiu-se para lá às pressas.

Viaturas de polícia em frente ao prédio.

Curiosos aglomerando-se no corredor. Na porta de seu apartamento, um guarda uniformizado, colocou-lhe a mão direita no peito e gritou-lhe: __"Não pode entrar!"

Sua mão direita agarrou o plexo solar do guarda, a esquerda o peito do uniforme, ergueu-o no ar e atirou-o contra a parede oposta. No meio da sala, homens estranhos, alguns fardados outros não, olhavam-no surpresos.

Em grandes passadas chegou na biblioteca.

Ela jazia no chão. Os olhos abertos sem brilho eram de um azul pálido. Os cabelos louros estavam vermelhos de sangue. Na têmpora direita um pequeno orifício de onde havia corrido um filete de sangue, agora já coagulado. Estranhamente havia um sorriso nos lábios. A um lado, o Colt 32 que ele lhe havia dado de presente.

"... ela estava limpando o revolver quando ele caiu, bateu o percursor no chão, aqui, onde termina o carpete, e disparou. O ângulo do tiro confirma isso, segundo a perícia técnica, estava lhe dizendo um dos policiais.

E assim ela se fora. E assim o mundo desmoronara.

E assim, algo se quebrara nele por dentro...

Licenciou-se da Universidade, passou a morar em hotéis, pois não conseguia viver no apartamento que conservava todas as lembranças dela. Não conseguiu mais escrever. Passou vários meses em auto-comiseração e alheio a tudo. Passava várias horas fitando o vácuo. Não tinha parentes nem amigos que pudessem se interessar por ele. Descuidou de sua aparência pessoal. Dava às vezes longos passeios pelos lugares onde costumava ir com ela. Então, um dia, resolveu voltar para a selva...



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