sexta-feira, 8 de outubro de 2010

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Olhos de Selva Azul [5] - Lenine de Carvalho

























V. 


Armou a pequena barraca sobre a areia branca do solo, encheu com a água do Abunã o velho cantil de alumínio e pingou dentro cinco gotas de cloro, que deviam liquidar todos microorganismos nocivos que pudessem existir nela. De um pequeno saco plástico, retirou vários pedaços cinzentos de carbureto, e espalhou-os em volta da barraca, isso evitaria que cobras, aranhas, escorpiões, e lacraias entrassem dentro da barraca, pois o cheiro do carbureto manteria à distância todos os bichos peçonhentos.

Havia algumas pedras na beira do rio e preparava-se para ir busca-las afim de fazer um pequeno fogão quando um ruído vindo de dentro da mata não longe dali fez com que se imobilizasse. Era o barulho inconfundível de dentes fortíssimos, que batiam uns contra os outros, em mandíbulas guarnecidas por músculos poderosos.

__"Porcos do mato! " Disse mentalmente.

Estendeu a mão, e agarrou o rifle 38, moveu com cuidado e lentamente a alavanca, sem fazer barulho e colocou uma bala na câmara. Depois, segurou o percursor com o polegar e apertou suavemente o gatilho, desarmando-o.

Feito isso, encaminhou-se para a direção de onde vinha o barulho, tendo o máximo cuidado para não pisar em gravetos ou montes de folhas secas cujo barulho poderia trair sua presença. Embrenhou-se na mata pisando com todo cuidado, e evitando roçar em galhos, abaixando-se, desviando-se. O barulho aproximava-se. Sabia que se permanecesse no chão, seria mais facilmente pressentido, além do que poderia ser atacado, e ele já havia visto mais de uma vez, o estrago que aquelas terríveis presas podiam fazer, tanto em homens quanto em cães. Entretanto, o porco do mato, ou queixada, uma espécie de javali sul americano, possue uma placa óssea na nuca, que o impede de erguer a cabeça, podendo portanto desferir mordidas apenas para os lados. Isso faz com que esteja a salvo, qualquer pessoa que consiga subir a tempo em alguma coisa que esteja a pelo menos um metro de altura. O barulho dos dentes entrechocando-se estava cada vez mais próximo. __"Estão vindo nesta direção, pensou. "Havia uma grande forquilha, na árvore ao seu lado, mais ou menos da sua altura. Subiu silenciosamente na árvore, sentou-se confortavelmente na bifurcação dos galhos, ergueu lentamente o percursor do rifle engatilhando-o e esperou.

Havia oito porcos, descendo lentamente a trilha natural, em direção onde ele se encontrava, com os focinhos escavavam o solo, a procura de raízes, grunhindo e batendo os dentes o tempo todo. Havia um macho enorme com as presas inferiores recurvadas e que de vez em quando brilhavam. Era o chefe do grupo e estava vigilante,

atento aos cheiros que o vento poderia trazer-lhe e aos ruídos da mata. Havia duas fêmeas e cinco leitões de vários tamanhos.

Apontou cuidadosamente para um dos leitões.

Nesse momento, não era mais o intelectual, o professor que dava aulas de teoria da Literatura numa importante Universidade, que falava vários idiomas e tinha uma porção de livros publicados. Era o caçador primitivo, que confundia-se com a floresta, e preparava-se para agarrar sua presa. Vindo do mais remoto dos tempos, sentia na pele e no corpo todo, uma excitação atávica, uma tensão agradável, uma expectativa que parecia imobilizar o tempo, eternizar o instante. Súbito, o macho estacou, começou a farejar o ar e a mover as orelhas, as cerdas duras do pescoço e das costas eriçando-se. ___" Esta desconfiando de alguma coisa, pensou. Dentro de instantes vai dar o alarme, e cada um fugirá para um lado. "

Oculto entre a folhagem, visou o centro da cabeça do leitão que havia escolhido, encheu os pulmões de ar, soltou a metade, prendeu a reparação, e lentamente foi apertando o gatilho, ao mesmo tempo que dizia mentalmente: "Peço-lhe mil perdões, meu irmão porco do mato, mas eu estou com muita fome e sua carne é muito gostosa."

O estampido ecoou forte pela mata, provocando uma gritaria de pássaros pelo alto das árvores, o macho de presas recurvas deu um grunhido agudo e num instante todos desapareceram em todas as direções.

No chão, sacudido por breves estertores estava o corpo do leitão no qual havia atirado. Por baixo da cabeça, um sangue espesso ia molhando o solo.

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