E Reika começou a falar:
Eu estava sentada aqui nesta pedra. Era noite. Meu olhar perdia-se ao longe, na imensa massa escura das águas que refletiam a luz pálida de uma lua minguante, enquanto meus pensamentos percorriam os meandros das ilusões criadas pelas sombras noturnas. Na ocasião eu tinha dezoito anos.
O celular tocou insistentemente em minha bolsa esquecida a meu lado na pedra.
– Alô!
Do outro lado da linha uma voz suave disse:
– Reika! Olha o barco ao longe!
Estiquei o olhar para melhor vislumbrar a silhueta de um barco que até a pouco não havia percebido. Estava muito longe no horizonte escuro, e a fraca luz da lua apenas o deixava visível por puro acaso.
– Quem é você? – perguntei curiosa olhando para os lados tentando ver na escuridão, porque para estar vendo a mesma paisagem que eu a pessoa deveria estar por perto.
– Eu sou você! Só que em outra dimensão no mesmo lugar.
– Como? Você é o que?
– Sou você, aqui mesmo nesta mesma pedra, só que em um plano paralelo.
Um tanto assustada levantei-me e comecei a caminhar em redor da pedra em que estivera sentada, forçando a vista para ver se via alguém. A voz no celular continuou:
– Eu vejo você, mas você ainda não pode me ver. Ainda! Porque assim que você acreditar que eu existo, poderemos nos ver.
– Olha! Brincadeira é muito bom! Só que essa não tem graça nenhuma e já estou ficando cansada dela. Deixa disso e diga quem você é, ou desligo.
– Mesmo que você desligue o celular, agora que você me ouviu, vai continuar me ouvindo sem o aparelho. Tente! Desligue.
Sem sentir desliguei o celular. E a voz continuou macia e suave.
– Viu? Não falei? O celular foi apenas um instrumento que usei para chamar sua atenção para minha voz. Assim como Deus utiliza nosso corpo para Sua manifestação. Não precisamos do celular para nos comunicar.
Agora eu estava realmente assustada. Uma voz em minha mente falando que era eu mesma em outra dimensão? E pensei: será que foi alguma coisa que comi e me fez mal? Estarei tendo alucinações?
– Não Reika! Você não está tendo alucinações. Existem muitas dimensões no Universo, em cada uma delas somos uma pessoa, formando um único eu, embora algumas vezes com aspectos diferentes.
– Não me confunda mais! Como você sabe o que pensei?
– Porque eu sou você!
– Você ‘é’ eu? Que coisa estranha! Eu penso e você ouve?
– Eu penso e você ouve! Ou vice-versa, como queira.
Fiquei deveras assustada. Eu penso e ela ouve, ela pensa e eu ouço. Como será isso? Na verdade estou ficando maluca. Devo estar estudando demais, comendo pouco, não devo estar ingerindo líquidos suficientes, meu cérebro batucou. Só pode ser isso!
– Não Reika! Entenda! Somos uma única pessoa, só que em dimensões diferentes. Vivemos vidas paralelas. Nessa dimensão você é uma estudante jovem, com sonhos e ilusões a serem cumpridos em um futuro não muito distante. Na dimensão que estou você é uma pessoa também jovem, só que com outras ambições, outros desejos, mas formamos uma única célula no Universo, andando em paralelos diferentes.
– É muita informação abstrata para que eu entenda isso!
– Vai entender. E quando isso acontecer, nós vamos nos ajudar e a vida será cada dia melhor, pois quando unimos as vontades que temos, as forças do Universo nos darão a capacidade necessária para fazermos da vida tudo que quisermos.
– Me dê uma prova de que não estou ficando maluca!
– Olha o barco!
Dirigi meu olhar para o horizonte escuro, e o barco agora era perfeitamente visível como se o sol o iluminasse.
– O barco está visível! E o que isso tem a ver?
– Olhe novamente!
– Cadê o barco? Sumiu?
– Não! Ele permanece lá! Mas só com sua mente desta dimensão você não pode vê-lo devido à escuridão e à distância. Com a ajuda de sua mente oculta em outra vida paralela você pode vê-lo. Olhe novamente.
E lá estava o barco visível como se estivesse a cem metros. E gostei da brincadeira.
– Então com sua ajuda posso ver na escuridão.
– Isso só foi uma amostra simples do que poderemos fazer unindo nossas forças. A força das mentes paralelas.
– Caramba! Se não estiver doida, e você realmente existir aí a meu lado, vou tirar só nota máxima nas provas.
– Isso é relativo! Você terá notas altas nas provas se estudar a matéria. Porque eu só sei o que você sabe, e você sabe só o que eu sei. E aí é que vem a beleza da coisa. O meu conhecimento completa o seu e o seu completa o meu.
– Puxa! É muito complexo!
– Não! É muito simples mesmo.
– Então me explique melhor.
E acomodei-me novamente na pedra onde estivera antes, como se fosse conversar com uma amiga de longa data. E conversei comigo mesma durante várias horas, olhando o mar e tomando conhecimento do poder que teria unindo duas mentes, a que era visível e a que não era.
A voz dizia: você pode comparar esse fenômeno como um microscópio ou um telescópio, com os quais se podem ampliar a visão em centenas ou até milhares de vezes. A consciência unida ao subconsciente pode ter esse resultado, desde que você acredite nisso.
Quando o sol despontou no horizonte, levantei-me da pedra e fui para minha casa.
Na época estava no primeiro período de filosofia.
Arrumando-me para ir à faculdade perguntei à minha outra parte olhando para o espelho:
– Como estou? Essa roupa ficou bem?
Esperei a resposta, mas ela não veio.
– Hei você! Onde está? Quero saber sua opinião!
E nada. Silêncio ao redor.
– Caramba! Acho que estou doida mesmo. Passei a noite toda conversando com alguém que disse ser eu mesma em outra dimensão, e agora não tem ninguém aí ao lado. Preciso ir ao médico com urgência.
– Falando sozinha maninha? – era André, meu irmão.
– Cai fora! Deixa-me em paz! – e sai do quarto, irritada e pensando que as aulas seriam uma sucessão de tédios seguidos de puro desprazer.
No corredor encontrei novamente meu irmão que se encostou à parede para deixar-me passar.
– Calma maninha! A TPM vai estragar seu dia.
– Cala a boca! – e saí rapidamente para a rua.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
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Os Ciganos - Capítulo VII
autor(a): Paola Rhoden
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