Olhava da janela do meu apartamento, no meio da noite, o silêncio e a frieza da cidade. De repente, tinha a sensação de que todos os prédios e casas adormecidos em seus sonos de pedra eram exatamente iguais.
A chuva forte que começou no findar da tarde reduziu sua força, mas deixava no ar um aroma de folhas verdes que a impetuosidade dos ventos frios espalhou pelas calçadas e que lembravam histórias de noites antigas que o tempo já escondeu para sempre nas suas prateleiras empoeiradas.
Como olhos iluminados que se derramavam dos postes, as lâmpadas deixavam-me ver a dança enfeitiçante e definitiva das mariposas embriagadas pelos fachos de luz. Eram tantas que quase podia ouvir o ruflar das suas asas. Parece que sabiam que viviam seus derradeiros momentos, seus últimos sopros de vida e não se importavam em arderem seus pequenos corpos nos vidros ferventes das luminárias incandescentes.
Deixavam a impressão de que tinham a consciência que o tempo para elas estava cessando sua caminhada e aceleravam cada vez mais rápido o bater das suas asas. Estranha certeza. Estranha maneira de findar uma existência. Suas ansiedades, todavia, pareciam querer dizer que perdoavam o tempo, que entendiam sua missão inexorável, seu destino, seus infinitos passos.
Fiquei pensando no poder do tempo. No seu poder invisível, incessante, que se evidencia nos mortais, transformando-os em sobras vacilantes de homens e mulheres. Silencioso, envolvente, está sempre a nos iludir com o amanhã, com promessas que jamais poderá cumprir.
Olho novamente a cidade inerte, paralisada pela noite, pela chuva e sinto que o tempo passou rápido. O que antes era um espaço vazio, hoje me cerceia a visão do horizonte: uma imensa quantidade de prédios novos, erguidos com tanta agilidade que daqui a pouco tempo já não verei mais o parto da alvorada, o acelerar do sol poente, o caminhar da lua, o rastro das estrelas.
É o velho tempo nos ensinando suas lições diárias. Ressurgindo a cada segundo torna velhos os jovens, mostra como é efêmera a beleza e continuando sua ronda silenciosa nos lembra que sempre amanhece com o sol, anoitece com a escuridão, caminha dentro das tempestades e das noites enluaradas, mas não dorme nunca, não descansa nunca, não adoece e não morre nunca.
Sem princípio e sem fim, sem medida, o tempo passa e repassa, leva nossos sonhos, nossas esperanças, abre uma ferida ali e, talvez, com o intuito de nos iludir, alivia uma chaga mais adiante. Mas sempre prodigioso, passa calado, dissipando vaidades, mudando fisionomias, revelando falsas personalidades.
Que nós tenhamos a consciência do seu poder infalível. Que nunca nos esqueçamos de perceber sua presença constante e jamais imaginemos que poderemos vencê-lo nesse mundo rés ao chão. Por enquanto é prudente saber que o tempo é a ilusão suprema, gigante que se alimenta das paredes dos nossos corações e da sensibilidade das nossas almas.
Quem sabe a eternidade nos conte uma outra história, uma outra verdade?
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
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Ilusão suprema: o tempo
autor(a): Noélio A. de Mello
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