quinta-feira, 4 de novembro de 2010

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Os Ciganos - Capítulo VIII

Quando Reika se calou, olhei para ela e perguntei:

– E esta história é verdadeira?

Olhando o mar que há essa hora estava coalhado de barcos, respondeu:

– Sim! Muito verdadeira.

E levantou-se indo em direção ao caminho de pedras que levava até sua casa. Fez um sinal com a mão para que a seguisse e falou:

– Gostou da história?

– Muito! Todos têm essas vidas paralelas?

– Sim! Todos!

– E como se faz para perceber?

– Não sei! Comigo simplesmente aconteceu. E a partir desse dia posso ajudar as pessoas e a mim mesma sempre que preciso.

– Deve ser muito legal isso!

– E é! Tenha certeza. Quer tomar um chá comigo?

Olhei para o céu. Ainda era cedo, podia gastar um tempo com a nova amiga.

– Aceito!

Em sua casa, ela me apresentou sua mãe e seu irmão.

– Mamãe! Podemos fazer um lanche?

– Claro! André ajude sua irmã a por a mesa enquanto preparo um chá. Fique à vontade Vanessa, a casa é sua.

Comemos alegremente como se fossemos amigos de muitos anos. Depois do lanche ajudamos dona Valey a por a casa em ordem. Após tudo pronto, fomos para um jardim nos fundos da casa onde tinha bancos nas sombras de algumas árvores. Sentamos e passamos a conversar. Reika retomou o assunto das vidas paralelas e perguntou:

– Quer ouvir a continuação da história?

– Quero!

Com a correria das aulas, eu não via o tempo passar e meus pensamentos voltavam-se apenas para os estudos e suas atividades.

A semana após o contato com minha vida paralela passou e eu já havia quase esquecido de meu estranho diálogo naquela noite de domingo no morro. Quase! Em alguns momentos ainda olhava para os lados na esperança de que não houvesse sido uma alucinação, e que realmente ela pudesse ser alguém em outro paralelo da vida. Seria ótimo!

Sábado à noite peguei o caminho que levava ao refúgio que desde a infância eu denominava como sendo meu: a pedra no alto do morro que ficava ao lado do farol. Esse farol era supervisionado por um amigo da família, que toda vez que me via seguindo para a pedra dizia:

– Cuidado Reika! Não despenque lá para o mar.

Eu ria! Tantos foram os anos que me refugiava naquela pedra e nunca despenquei! Não seria agora!

Naquele sábado fui mais cedo. Não haveria luar! Era lua nova. A escuridão tão minha conhecida estaria logo tomando conta do horizonte. Só alguns vislumbres, em intervalos regulares da luz giratória do farol, varrendo o mar no alerta para as embarcações das pedras perigosas ali existentes.

Caminhando lentamente, olhava os últimos clarões do entardecer desfazendo-se no horizonte distante.

– E então? Linda a visão desse entardecer, não acha?

Reconheci imediatamente a voz em minha mente consciente. A voz de meu eu de outra dimensão.

– Vou voltar a endoidar! – falei alto.

– Não! Vamos voltar a nos encontrar.

– E porque não apareceu durante a semana?

– Mas eu estive o tempo todo ao seu lado! Nós não podemos andar separadas, ainda não entendeu?

– Mas porque não falou comigo?

– Porque só no silêncio você me ouve. No momento em que você me ouvir mesmo no maior barulho, aí sim estaremos andando paralelamente de verdade.

– E quando estivermos andando juntas e nos ouvindo, o que poderemos fazer?

– Você saberá! Assim como eu saberei.

– Fico confusa! Às vezes penso que estou maluca, outras acho que realmente existem vidas paralelas. Como quando fico sem saber o que fazer em alguma ocasião, pareço não ser eu mesma, e algumas atitudes que tomo, logo na frente vejo que não era exatamente o que teria feito, mas fiz. É confuso e estranho! No entanto o resultado de minhas atitudes nessas ocasiões me leva a crer que fui ajudada por algo ou alguém superior.

– São os raros momentos em que nos unimos, e como a união faz a força, o resultado na maioria das vezes é mais positivo que se a decisão fosse só de uma mente.

Cheguei a meu lugar preferido. E em vez de sentar na pedra, deitei-me na grama fria a olhar o céu escuro. Estava salpicado de pontos brilhantes. Astros e estrelas que passeavam no imenso Universo, seguindo uma determinação cósmica extremamente exata.

Eu conhecia de perto todos eles. Os pontinhos lá em cima eu os sabia de cor. O que mais gostava de cismar era na estrela vésper, que mais ou menos pelas nove horas da noite sumia no horizonte. Simplesmente desaparecia no curso normal do movimento da Terra. Mas enquanto ela lá estava, era meu ponto preferido do céu. Mesmo quando a lua cheia enchia o horizonte de prata, a minha estrela permanecia linda e brilhante.

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