Descia a escada quando ela chegou. A esposa nada dissera que ela vinha. Não tinha a prática de receber visitas. Por isso estranhou. Constatou a exuberância feminina de Silvana apagando a feminilidade da esposa. Tendo um sorriso largo, dentes brancos, impunha um não sei o que de atrativo. O rosto oval modulado por uma disciplina estética da beleza, reforçado pelos olhos amendoados, era ressaltado pelos cacheados cabelos sobre os estreitos ombros. O busto de seios rijos, quadril no padrão normal aguçava qualquer masculinidade.
- Se eu soubesse que você vinha teria colocado uma camiseta, disse Cláudio cumprimentando.
- Não esquenta! Não ligo para isso, respondeu Silvana.
- Cláudio gosta de ficar a vontade depois do banho, disse Rúbia como explicação.
- Mesmo assim, vou colocar uma camiseta, disse Cláudio subindo a escada.
Revirou as gavetas uma por uma procurando a mais nova, bonita, a que ganhara de aniversário. Olhou-se no estreito espelho da porta do guarda-roupa. Na fria imagem refletida sentiu-se satisfeito. No momento que o pé direito começava a tocar o primeiro degrau, estarrecido interrompeu o movimento. O que seus olhos viam a mente não queria registrar como verdade o que via. Não pode ser? O que é isso? Retrocedeu o passo suspenso. Rúbia beijava Silvana num escandaloso beijo. Cláudio retrocedeu até se encostar a parede. As pernas tremiam. Sentiu o frio intenso congelar os sentimentos. Uma pedrada não seria tão forte como a dor arrebentando o peito. Viu seu reflexo no estreito espelho. Com raiva tirou a camiseta bonita jogando longe. Vestiu outra qualquer. Precisava descer. Respirou fundo. Saiu do quarto batendo a porta. Procurou se concentrar na naturalidade dos gestos ao descer a escada como se nada tivesse acontecido. Enquanto conversavam, prestou atenção nas entrelinhas das palavras. Nos olhares de uma para outra. Nos gestos... Não percebeu nada que pudesse denunciá-las. Remoendo o cérebro, perguntou a si mesmo o que deveria fazer. No momento não devo fazer nada. Talvez, mais tarde possa pedir uma explicação à Rúbia. A conversa não estava de nada interessando a ele. Subiu para terminar o trabalho gráfico que vinha fazendo. Fixou no pedestal a filmadora e colocou numa posição privilegiada para que as duas não perceberem. Ligou a filmadora e do micro foi manuseando a câmara. Virava para a direita, para a esquerda, acionava o zoom, deslocava, congelava a imagem, filmava as duas nos abraços e beijos. Ao mesmo tempo maquinava uma pequena vingança. Durante aproximadamente, uns trinta minutos de gravação, achou suficiente. Retirou a filmadora do pedestal e passou a trabalhar as imagens no computador. Eram cenas explicitas fortes, ousadas em que as duas se extravasaram nas carícias. Ao puxar mais para perto uma cena, em que sobressaia a feição de Rúbia, pode notar a satisfação, o prazer estampado que nunca percebera. Quando terminou o que tinha de ser feito, passou para uma fita, desligou o micro, guardou a filmadora e fechou o pequeno escritório. Eram mais de três horas da madrugada. Não vira Silvana sair e muito menos quando Rúbia foi deitar. Ainda bem. No quarto, com maior cuidado para não acordar a esposa, pegou umas roupas, enfiou na mochila e saiu. Deixou a porta do quarto aberta. Na sala ligou a televisão e colocou a fita no vídeo. Programou tudo para ser ligado automaticamente, dali a duas horas e saiu indo para um hotel.
Estava terminando uma cena para um comercial de cuecas, quando ouviu que alguém entrava. Minutos depois, Sandro apareceu.
- Olá! Como está?
- Estou bem, disse Cláudio cumprimentando o amigo com um beijo. ]
- Já está definitivo aqui?
- Sim.
- Então deu tudo certo?
- Veja você mesmo.
Sandro leu:
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De : Rúbia rub@romantic.com Para : Cláudio clad@dico.com.br Enviada em : 16 de junho de ...
Assunto : Perdão Cláudio me perdoe se te magoei.Você saiu repentinamente.Ia te explicar tudo.Mas foi melhor assim.A fita que você deixou queimei.Estou em Roma feliz como a muito deveria estar.Silvana e eu vamos montar um apartamento. Beijos e felicidadesRúbia
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- Quer dizer que deu tudo certo?
- Melhor que a encomenda.
- Eu sabia que Silvana não iria falhar. Não esperava que fossem se apaixonarem.
- Como você conseguiu convencer ela?
- Com uma pequena aposta.
- O plano era apenas para Silvana se envolver com minha esposa, para que eu tivesse um pretexto e acabar com o casamento.
- Não estou entendendo uma coisa. Ela fala em fita! Que fita é essa?
- Ah! Fita! Não estava mesmo no plano. Não desmascarei as duas no ato. Filmei toda a relação amorosa das duas, e no micro trabalhei as imagens. O que deu um filme de uma hora mais ou menos. Fiz duas cópias, deixei uma no vídeo pronto para ser ligado automaticamente, e a outra copia inscrevi no festival Mix.
- Puxa! Pena eu não estar presente para ver a cara dela.
- Mas o melhor vem agora.
- O que?
- Ganhei o prêmio de revelação do festival!
- Ganhou?!
- Vinte mil reais!
- Caramba!!
- E vendi os direitos do filme para uma distribuidora, que nesse momento creio já espalhou para o Brasil todo.
- Nesse quase dois meses que estive fora, você trabalhou!
- Fez boas fotos?
- Fiz. Cada uma... Mas não vamos falar de mim não. Vamos tomar um banho, abrir umas cervejas, e ver esse filme premiado.
- Sinto muito. Só se for alugado. No contrato de venda tinha uma clausula no qual rezava que eu não podia ter nenhuma cópia.
- Que chato!!
- Chato nada. Vamos tomar um bom banho, sair, dançar, festejar sua volta, a minha liberdade e começar a gastar esses vinte mil reais.
- Isso mesmo. Vamos lá então.
pastorelli
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