Já parou para perceber para onde e em que convergem suas energias e os apelos que tocam sua alma e seu coração?
Uma imensidão de informações, de contatos rápidos, de imagens, de odores e gestos desfilam, em meio aos sentidos humanos, nas 24 horas que contam os nossos dias.
Feixes luminosos, ondas sonoras, guloseimas radicais fazem parte do cotidiano e inauguram sempre comportamentos novos em prol dessa sedução. Seduzem a criança, seduzem o jovem, o adulto e o ancião. Seduzem pelas janelas do corpo que permitem contato, mas que navegam nas ilusões.
Platão já falava de sua caverna. E qual será a caverna em que vivemos nos dias atuais?
Se uma criança é pobre e vive em estado de vulnerabilidade social e econômica, ela com certeza terá de enfrentar mais cedo uma rotina de trabalho e, possivelmente, terá de abdicar de estudos e estará sujeita a vivenciar, precocemente, a sorte ou o azar de uma experiência que, segundo a percepção humana e social, seria apropriada ao tempo caracterizado como adultez.
Por outro lado, uma criança mais favorecida social e economicamente terá de enfrentar uma rotina de atividades variadas, considerando o seu perfil socioeconômico, a imposição, pelos adultos, de tarefas que podem vir a contribuir para uma ascensão social e econômica (ou manutenção de determinado status socioeconômico) e, digo mais, a necessidade de disputar a corrida nesse mercado de trabalho monstruoso por quem estamos subjugados. Tarefas excessivas que, também segundo uma visão social, fazem parte da vida dos adultos propriamente ditos.
Ah, a juventude! Momento especial da vida. Onde tudo posso, mas quase nada faço do que me é idealizado. Contardo Calligaris, na obra “A adolescência” (São Paulo: Publifolha, 2000), fala com grande sabedoria sobre o fenômeno caracterizado como “moratória” – um tempo em que é possível perceber que o aprendizado mínimo está assimilado. Seus corpos, que se tornaram desejantes e desejáveis, poderiam amar, copular e gozar, assim como se reproduzir. Poderiam assumir qualquer tarefa de trabalho e começar a levá-los na direção de invejáveis sucessos sociais ou não. Entretanto, nesse momento, são barrados pelos pais e pela sociedade, por não serem considerados ainda capazes para assumir tanta responsabilidade, caracterizando, assim, a moratória.
Uma moratória para a juventude. Acrescento um pouquinho mais: uma moratória para as juventudes.
E será que são todas? Nem todas as juventudes são iguais ou mesmo parecidas. Cada jovem vive uma história de vida marcada por contextos, oportunidades, necessidades e sentidos. A única possibilidade de homogeneidade entre um Ser jovem e outro Ser jovem poderá ser encontrada no olhar do adulto, um pouco que saudoso e até invejoso quando caracteriza o jovem de “problema”, “aborrecente” e mais um bocado de adjetivos que andam passeando por aí.
Assim, percorremos um percurso e chegamos à vida adulta.
Tanta correria!
Uma exclamação bem posta para uma vida em que a vida exige vida.
Vida para dar conta das obrigações cotidianas, vida para sempre ter consciência de que estamos “devendo” algo a alguém ou a alguma imposição social.
Encerra-se o ensino médio, adentra-se o reino da universidade (após se trilhar o percurso, permeado de angústia e sofrimento, de escolher uma profissão, diante das possibilidades sociais e econômicas reais). Mais adiante, já estamos pensando em se formar logo e cuidar da vida profissional.
No final da graduação vem à angústia de novo:
“Será que terei emprego? Preciso fazer uma especialização, mas quem sabe um mestrado. Ah, meu Deus, eu não sei. Bem, quem sabe outra graduação?”
Uma imensidão de ideias me assomam e me assombram também. Isso sem falar nas inúmeras competências exigidas por aí, que deixam qualquer super homem e super mulher no chinelo.
Assertividade, proatividade, dinamicidade, saber enfrentar desafios e pressão. E lá vem alguém me perguntar se já me casei. Pensa bem, com esse tanto de coisas a pensar, até me esqueci de namorar. É mesmo, será que algum dia eu vou casar?
E lá vem toda aquela história novamente. Casou. E os filhos? Vem o primeiro, cadê o segundo? É sempre uma cobrança em cima de outra cobrança. E a vida segue.
Já ouvi dizer, muitas vezes, que é na velhice que as pessoas começam a pensar na religião, em algo transcendente. Seria uma época em que as pessoas se permitem, finalmente, pensar nisso, já sem a preocupação com a sobrevivência da família. (Claro, há muitas pessoas que, mesmo idosas, permanecem provedoras de suas famílias.)
Isso tudo é uma grande provocação, para pensarmos em fases existenciais e em processos de uma vida. Poderia dizer muitas outras coisas, mas creio que essas já são materiais para uma boa reflexão. Diante de tudo isso a pergunta que fica é: “A que horas vou cuidar de mim, afinal?”
O dicionário nos revela que cuidar tem como acepção: “reparar”, “atentar para”, “prestar atenção em”. Existem inúmeras outras definições, mas hoje vamos nos ater a essas.
Pare um pouco. Sossegue sua mente do ruído exterior. Preste atenção em você. Há quanto tempo você não se olha no espelho, não escreve na sua agenda, naquelas páginas em que as datas já venceram, “coisas” que gostaria de melhorar em você e na sua vida?
Como anda o seu relacionamento amoroso? Quanto tempo não lê, por prazer, um livro e não assiste a um filme no cinema?
Você pensou em todas essas fases desde o seu nascimento até sua futura morte?
Sabe uma coisa bacana que eu descobri outro dia? Pode ser que você ainda não tenha descoberto, por isso vou compartilhar: aprendi que tesouros não se podem guardar, temos de dividi-los. Riqueza não se define pela quantidade de bens que acumulamos, mas pela capacidade de multiplicá-los, dividindo-os ou os compartilhando.
Para que a vida possa ser vivenciada de maneira que não deixemos nada sem vida, nós, adultos, devemos trazer todas as fases para o momento presente. Ser criança, ser jovem e ancião no momento agora.
Não é preciso parar de comer guloseimas nem deixar de assistir a filmes infantis, de comprar a roupa bonita e paquerar seu namorado, seu marido. Ao mesmo tempo, não é preciso buscar o transcendente somente na velhice. O grande tesouro da vida é sabermos ocupá-la de todas essas tarefas presentes em todas as fases e períodos, no aqui-agora.
Aí você me pergunta: “Como fazer?” E eu vou lhe dizer:
“Não sei, mas confie em sua habilidade infanto-juvenil de criar e recriar. A vida que não é mera sobrevivência pode ser possível, desde que use os seus sentidos para ir além do ver, ouvir, comer e sentir. Saia da sua caverna. Use-os para perceber os sinais e vivê-los plenamente. Deixe sua energia fluir!”
Imagem: pintura de Waldomiro Sant'ana
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