O festival de rock
e as baratas kafkianas
Sônia Pillon
Depois de ser marcado, desmarcado e marcado novamente, finalmente o festival que reunia os roqueiros da região saiu numa enganosa tarde de primavera, que já de cara feia, anunciava o que a maioria esperava: uma chuva copiosa no início da noite. Adriana esperava ansiosa desde o ano passado por aquele momento. Naquele dia, mais de uma vez revisou o vestido pretinho básico e as botas de cano alto com fivelas prateadas que iria usar à noite. O lápis preto em volta dos olhos combinava com o efeito punk que pretendia dar ao seu visual. Mais uma revisada no espelho e pronto: estava preparada para reencontrar a galera e curtir o som do festival. Afinal, soube que seria a última vez que o Parque de Eventos abriria as portas, e tinha que aproveitar!
A caminho do evento, em plena rua Walter Marquardt, dezenas de jovens seguiam em direção ao mesmo destino, debaixo de chuva, se abrigando aqui e ali debaixo das marquises, rindo, fumando e bebendo, despreocupados da vida e do amanhã. Ao entrar no acesso ao pavilhão A, lá estava uma banda punk. O vocalista, já sem camisa, se esforçava para atrair a atenção de meia dúzia de gatos pingados que permanecia no salão... Que diferença do ano anterior, quando se falou em 5 mil pessoas!...
Mesmo assim, quem gosta do velho e bom rock’n roll se fez presente, como o motoqueiro de meia idade com calça e jaqueta de couro preta e a bandana na cabeça, o adolescente com os cabelos espetados à moda punk, e as figuras magérrimas, com longos cabelos e olhares incertos, que pulavam, gesticulavam e acompanhavam o show.
No outro pavilhão, destinado ao pop/rock, músicas e letras traziam mensagens para pensar, e também ali a movimentação não era grande. Os grupos de meninas e meninos se espalhavam pela pista, de olho no revezamento das bandas no palco. O mais jovem, perto de completar 15 anos, olhava a tudo como se não entendesse nada, decepcionado, por esperar que o agito fosse bem maior...
Outra atração, não menos procurada pelos roqueiros de fé, era a tenda eletrônica. Lá dentro, nove djs se revezariam madrugada adentro, se esforçando por tirar o melhor som das mixagens. Num dos cantos, bem próximos à entrada da tenda, um casal de baratas" kafkianas” assistia a tudo, aparentemente frio, porque não parecia se motivar com o empenho dos djs.
Num determinado momento, com a chegada de Adriana, o casal de baratas pareceu se assustar e virar a cabeça para o lado oposto, aparentemente perturbado com a entrada rápida da jovem. Ao ver as duas baratas juntas, a roqueira Adri imediatamente fez menção de se retirar, procurando um lugar menos infecto. Pouco depois do susto, as “kafkianas” também resolveram acelerar as inúmeras perninhas e rastejaram rapidamente para o outro pavilhão. E lá se postaram encostadas junto aos equipamentos, invisíveis aos demais, para depois seguirem com sua rotina diária, lado a lado...
Sônia Pillon é jornalista e escritora. Nascida em Porto Alegre (RS), há 14 anos está radicada em Santa Catarina. Crônica publicada no livro "Crônicas de Maria e outras tantas - Um olhar sobre Jaraguá do Sul", em julho de 2009, pela Design Editora. Também foi lançada no "Panorama da Literatura Jaraguaense 2010 - Antologia e Dicionário Biobibliográfico", em 14 de dezembro de 2010.
3 comentários
Em homenagem a todos que amam rock! :-)
Viva a Sônia!
Viva o Rock!!!!
Muito obrigado por mais este excelente texto, amiga.
E um abraço enorme!
Jorge
Um texto meio real, meio fictício... mas absolutamente emocional!...
Obrigada, Jorge, pelo estímulo!
Abração!
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