sábado, 29 de janeiro de 2011

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A MÃO

A mesma coisa. Seis e meia, levantar, o café, o cigarro, o banho, a gravata. Sete horas, o ônibus, o sono. Oito horas, o escritório, a rotina. O Sono.
Eu digito das oito às seis, vinte minutos para o almoço. As vinte pessoas à minha volta também. O dia inteiro, todo dia. Quilômetros de papel, cartas, relatórios. A mesma coisa.
A mesma coisa, até o dia em que uma digitadora quebrou a mão direita num acidente doméstico. Não ficasse boa em dois dias estaria na rua. Pobre menina.
Pobre de mim: no mesmo dia recebi a proposta:
— Que tal ceder sua mão?
— Não — eu respondi, e continuei a digitar.
— Mas você é tão rápido! Não vai fazer diferença.
— Já disse que não.
À noite, em casa. O macarrão instantâneo, as salsichas, a televisão. A mesma coisa. Meia-noite, o sono. Seis e meia. Oito. Sono.
— Pelamordedeus! Se amanhã eu não estiver com a mão boa eles me mandam embora — ela disse.
— E eu com isso?
— Seja humano, porra!
— Isso não é ser humano, é ser idiota.
— Vai se foder!
Quilômetros de cartas, papel, relatórios. A mesma coisa.
À noite, em casa. O macarrão instantâneo, as salsichas, a televisão. A campainha da porta.
— Já falei que não — eu disse.
— Mas olha: minha mão vai cair e amanhã é o último dia.
— Problema seu.
— Gosta do meu corpo?
— Não.
— Eu faço o que você quiser.
Oito horas. O escritório, a rotina. O sono.
— Estou pronta.
— Pra quê?
— Pra quê? Você prometeu ontem!
— Ontem. Hoje não prometi nada.
— Filho da puta!
O chefe do escritório. Um machado na mão direita.
— Promessa é divida — ele falou.
— Não prometi nada, ela deu porque quis.
— Quis nada! — ela falou.
— Estica a mão — o chefe mandou. Eu estiquei.
À noite, em casa, a mesma coisa.

2 comentários

Betusko

Gênero Conto Fantático ultra-moderno. Viajei no texto, quase cheguei a esconder minha mão que juraria sobre a Bíblia no final.

Abraços!

Parreira

Pois é, Betusko.
Mas à noite, no final, é tudo a mesma coisa.