terça-feira, 18 de janeiro de 2011

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Morte súbita

A noite observa o sono do homem.
Noite de cidade não embala,
é cheia de praticidades.
Ela conhece do suor e do desencanto.
Também está presa entre aquelas paredes.

O escuro que se faz é parte,
não é o todo noturno.
É falso, como a vida daquele homem.

Segue o sono do homem.
Segue o homem na noite.
A vida na noite dorme
e, em seus pesadelos,
revê cartilhas,
folheia diários.
álbuns de frustações.
Reencontros desconcertantes,
com as vítimas de seu passado.
Chora o homem, na noite, no sono.
Choro sonhado, doído, amargo.

\\ \\

A noite traz uma dama para o homem.
Ela o encontra fumando um cigarro
sentado num canto oculto de seu inconsciente.

O homem a olha e entende...
No quarto escuro, o respirar do homem exala ansiedade.
Toca um tango, e a fëmea se aproxima do homem.
Acelera o coração desnorteado.
Hesita o homem ao defrontar com o inevitável – muito o seduz aquela mulher...
Tocam-se ...
O suor parte do corpo adormecido,
atinge o escuro da noite.
Jogam pernas e desespero,
Perdeu-se o homem nessa paixão definitiva.
E o homem, então, percebe que já não é a mesma música;
foi tocado no coração, que fibrila...
A noite vê o espasmo do homem.
Mas é de súbito
que uma camerata de violões
executa um allegro de Vivaldi.
Percebe então o homem que aquela mulher sempre esteve a seu lado
e que ela já soprou o frio da verdade em seu ouvido.
Seu coração mansamente relaxa,
e se cala.

Só a noite viu o último suspiro do homem.

O telefone toca...
Já é dia do lado do mundo.
Ainda é noite entre as paredes.
Já é eterno dentro do homem.

– Poderäo os homens definir quanto durou o desespero
[daquele homem?

Não.
Apenas o escuro da noite,
cúmplice de seu martírio,
viu que o homem,
quando partiu em seu sono,

sorria.


(do livro Verdes versos - 2007)

Jorge Elias Neto

www.jeliasneto.blogspot.com

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