Ele derrama lágrimas pela boca quando faz sol. Sorri estrelas às vezes, sempre dependendo da instabilidade natural do seu humor. Mesmo o seu silêncio é ruidoso: é um espetáculo, sabe-se assim, e assim se considera e se exibe. O chou não pode parar.
Mas o mundo anda repleto de tédio. As mulheres-barbadas, homens-elefante e crocodilos trapezistas não lhe dão a menor atenção. Perderam completamente o respeito; perderam a capacidade de sonhar.
Os mágicos extraem palavras mortas de suas cartolas roídas pela tristeza. Os coelhos brancos de fome e raiva conspiram contra a precariedade maquiada da lona velha e podre. Um dia a casa cai, torcem eles, certos de que estarão à distância e a salvo.
Ele não está, não se sente a salvo. Cada dia, matar um leão, dois, que lhe brotam dos bolsos como capim. Dos bolsos também retira pedrinhas azuis e lembranças pálidas. De um tempo em que fora outro, outra coisa. Alguém.
Agora é a tarde vazia que cresce nas pedras da rua, indiferença. O pulsar morno do coração que soletra ausências. Estímulo mesmo só o do conhaque, que pinga nos olhos para ver o dia em chamas.
O público, distinto público, ergue apenas as paredes da dúvida, da descrença: esse aí não é, desconfio do chou. Onde é que já se viu, espetáculo é o próximo milhão a ganhar, a grandiosidade do efêmero cintilante dia após dia após. A droga a qual nós o público estamos submetidos desde sempre, como cordeiros sob o machado de Deus.
Sabendo-se assim ele segue, cheio de nadas e de incertezas. Sob o sol é o homem-espetáculo, que teima em desafiar uma platéia de cegos. Um mundo trêmulo e arrogante, que por trás da máscara exibe apenas um circo perplexo de si mesmo.
7 comentários
Excelente este conto. Será um conto? Não sei, é belíssimo, e basta.
Clap,clap,clap, rolou uma lágrima da bailarina-palhaça-ilusionista, que tira um elefante em roupa fiturista de cada bolso, para com gosto rir do desgosto que come todos os dias temperado de estrelas frias.
beijo da ana d'lyra.
bonito.
Parabéns Parreira.
Uma pérola literária. Abs,anamerij
Houveram estrelas e circos, e somos tais e quais neste mundo efêmero. Lindo seu texto meu amigo. Parabéns.
Pude ver a cartola rasgada e desbotada do mágico. Belo texto, Parreira. Abs, César
Puxa vida! Não esperava tamanho retorno pra esse conto. Agradeço a todos vcs pelos comentários.
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