sexta-feira, 27 de maio de 2011

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Aprovada a destruição. Que fazer? - Elaine Tavares




















Vivemos um eterno retorno quando se trata da proteção aos latifundiários e grandes empresas internacionais. No Brasil contemporâneo, pós-ditadura, nunca houve um governo sequer que buscasse, de verdade, uma outra práxis no campo. Todos os dias, nas correntes ideológicas do poder, disseminadas pela mídia comercial – capaz de atingir quase todo o país via televisão – podemos ver, fragmentadas, as notícias sobre a feroz e desigual queda de braço entre os destruidores capitalistas e as gentes que querem garantir vida boa e plena aos que hoje estão oprimidos e explorados.

Nestes dias de debate sobre o novo Código Florestal, então, foi um festival. As bocas alugadas falavam da votação e dos que são contra o código como se fossem pessoas completamente desequilibradas, que buscam impedir o progresso e o desenvolvimento do país. Não contentes com todo o apoio que recebem da usina ideológica midiática, os latifundiários e os capatazes das grandes transnacionais que já dominam boa parte das terras brasileiras, ainda se dão ao luxo de usar velhos expedientes, como o frio assassinato, para fazer valer aquilo que consideram como seu direito: destruir tudo para auferir lucros privados.

Assim, nos exatos dias de votação do novo código, jagunços fuzilam Zé Claudio, conhecido defensor da floresta amazônica. Matam ele e a mulher, porque os dois incomodavam demais com esse papo verde de preservar as árvores. Discursos tolo, dizem, de quem emperra a distribuição da riqueza, deles próprios, é claro. E o assassinato acontece, sem pejo, no mesmo dia em que os deputados discutem como fazer valer – para eles – os seus 30 dinheiros sujos de sangue.

Imagens diferentes, mas igualmente desoladoras. De um lado, a floresta devastada e as vidas ceifadas à bala, do outro a tal da “casa do povo”, repleta de gente que representa, no mais das vezes, os interesses escusos de quem lhes enche o bolso. Pátria? País? Desenvolvimento? Progresso? Bobagem! A máxima que impera é do conhecido personagem de Chico Anísio, o deputado Justo Veríssimo: eu quero é me arrumar!

No projeto construído pelo agronegócio só o que se contempla é o lucro dos donos das terras, dos grileiros, dos latifundiários. Menos mata preservada, legalização da destruição, perdão de todas as dívidas e multas dos grandes fazendeiros. Assim é bom falar de progresso. Progresso de quem, cara pálida? Ao mesmo tempo, os “empresários” do campo, incapazes de mostrar a cara, lotam as galerias com a massa de manobra. Pequenos produtores que acreditam estar defendendo o seu progresso. De que lhes valerá alguns metros a mais de terra na beira de um rio se na primeira grande chuva, o rio, sem a proteção da mata ciliar, transborda e destrói tudo? Que lógica tacanha é essa que impede de ver que o homem não está descolado da natureza, que o homem é natureza.

Que tamanha descarga de ideologia os graúdos conseguem produzir que leva os pequenos produtores a pensar que é possível dominar a natureza, como se ao fazer isso não estivessem colocando grilhões em si mesmo? Desde há muito tempo – e gente como Chico Mendes, irmã Doroty e Zé Claudio já sabia - que o ser humano só consegue seguir em frente nesta terra se fizer pactos com as outras forças da natureza. E que nestes pactos há que se respeitar o que estas forças precisam sob pena de ele mesmo (o humano) sucumbir.

O novo código florestal foi negociado dentro das formas mais rasteiras da política. Por ali, na grande casa de Brasília, muito pouca gente estava interessa em meio ambiente, floresta, árvore, rio, pátria, desenvolvimento. O negócio era conseguir cargo, verba, poder. Que se danem no inferno pessoas como Zé Cláudio, que ficam por aí a atrapalhar as negociatas. Para os que ali estavam no plenário da Câmara gente como o Zé e sua esposa Maria não existem. São absolutamente invisíveis e desnecessárias. Haverão de descobrir seus assassinos, talvez prendê-los por algum tempo, mas, nas internas comemorarão: menos um, menos um.

Assim, por 410 x 63, venceram os destruidores. Poderão desmatar a vontade num tempo em que o planeta inteiro clama por cuidado. Furacões, tsunamis, alagamentos, mortes. Quem se importa? Eles estarão protegidos nas mansões. Não moram em beiras de rio. Dos 16 deputados federais de Santa Catarina apenas Pedro Uczai votou não. Até a deputada Luci Choinacki, de origem camponesa, votou sim, contrariando tudo o que sempre defendeu.

Então, na mesma hora em que a floresta chorava por dois de seus filhos abatidos a tiros, os deputados celebravam aos gritos uma “vitória” sobre o governo e sobre os ecologistas. Daqui a alguns dias se verá o tipo de vitória que foi. Mas, estes, não se importarão. Não até que lhes toque uma desgraça qualquer. O cacique Seatlle, da etnia Suquamish, já compreendera, em 1855, o quanto o capitalismo nascente era incapaz de viver sem matar: “Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende”.

Zé Claudio e Maria eram assim, vistos como “selvagens que nada compreendem”. Mas, bem cedo se verá que não. Eles eram os profetas. Os que conseguiam ver para além da ganância. Os que conseguiam estabelecer uma relação amorosa com a terra e com as forças da natureza. Eles caíram à bala. E os deputados vende-pátria, quando cairão?

Já os que gritam e clamam por justiça, não precisam esmorecer. Perdeu-se uma batalha. A luta vai continuar. Pois, se sabe: quem luta também faz a lei. Mas a luta não pode ser apenas o grito impotente. Tem de haver ação, organização, informação, rebelião. Não só na proteção do verde, mas na destruição definitiva deste sistema capitalista dependente, que superexplora o trabalho e a terra. É chegada a hora de uma nova forma de organizar a vida. Mas ela só virá se as gentes voltarem a trabalhar em cada vereda deste país, denunciando o que nos mata e anunciando a boa nova.

Por Elaine Tavares - jornalista





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