Um mês depois que Aracê se foi, às vésperas de meu aniversário de dezoito anos, não havia nenhuma festa preparada. Meus pais não acharam necessário comemorar minha entrada na vida adulta. Afinal já estava acertada minha ida para a capital onde estudaria meu curso superior, e seria responsável por mim mesma de agora em diante.
Antes de deitar-me na cama macia olhei pela janela a bela noite de luar que branquejava os pastos, e deixava o ar tão puro que dava vontade de dormir ali mesmo olhando a lua. Mas os lençóis fresquinhos me chamavam.
Deitei, dormi e sonhei:
“- Fica quieta! Não faz nenhum barulho!
Quem dizia isso ao meu ouvido era um belo índio de idade avançada, com seu cocar cheio de penas e contas.
- Sim papai! – respondi baixinho.
Estávamos os dois abaixados atrás de espessos arbustos, que encobriam de nossas vistas uma trilha de veados que esperávamos para caçar.
Aos sussurros meu pai me guiava pelas moitas debaixo das imensas árvores da floresta. Nossos corpos morenos cobertos apenas de tangas de couro de animais, moviam-se sem nenhum barulho. Nem as folhas se mexiam mais que se um sopro de brisa as houvesse balançado. De repente surgiu pela trilha um belo veado garboso em seu caminhar desconfiado, olhando para os lados, parava, cheirava o ar, andava mais um trecho, passou por nós sem nos pressentir. O vento está a nosso favor. Papai colocou os dedos nos lábios pedindo silêncio absoluto. Armou o imenso arco que só ele, o chefe da tribo, conseguia manusear. Esse arco era a prova de que os jovens da tribo deviam enfrentar para saber quem seria o substituto do chefe, quando ele morresse. Por isso só o chefe conseguia distendê-lo. Meu pai apesar de já bem velho, fazia isso com a maior facilidade, e a poderosa arma se abria como se fosse de plumas. Era meu orgulho.
A flecha foi certeira. O belo animal saltou no ar e caiu na trilha bem ao lado de onde estávamos.
Aproximamo-nos e o grande macho estava acabando de morrer. Meu pai olhou e marcou o local. Mais tarde os jovens da tribo viriam buscar a caça. Após as cerimônias de agradecimento pela dádiva seria devidamente preparada para várias refeições dos guerreiros e suas famílias. “Minha tribo só caçava o necessário para subsistir”.
Acordei. Arre! Que sonho! De onde me saía às vezes essa mania de sonhar com coisas tão estranhas como esta?
Agradeci a Deus por estar em minha cama, na fazenda de meu pai, e não na floresta matando bichinhos inocentes e bonitos. Estava completando dezoito anos e iniciando a vida responsável que meu pai esperava de mim.
Não o decepcionaria nunca!
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