domingo, 31 de julho de 2011

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Cotidiano Ornamental - A tarde eterna



A tarde eterna


Com que fascínio essa tarde se move e me transparece auroras de outrora? Esse azul, esse vento, essa luz baixa que a serra aos poucos vai tapando. É a mesma tarde de rotina sempre renovada, nunca a mesma, sempre esse paradoxo dentro do tempo; passado no presente. Não há Paris nem outro canto da Europa ou qualquer outro canto que poderia me dar isso: o momento das inefáveis lembranças, o tempo conturbado, a rebeldia sem causa; a adolescência infinda! Perdoem-me, mas só a terrinha é capaz, digo, a cidadezinha, cidade minha.

Vez ou outra me vem essa oscilação: eterno e efêmero. E é tudo interno e externo; são os olhos no meio refletindo lá e cá. E no cotidiano me perco – sou efêmero; e no cotidiano me acho – sou lembranças.

Isso mesmo, exatamente no cotidiano, no exaustivo cotidiano, encontramos esse instante longo de lembranças que se anuncia sem qualquer revelia. Basta apenas eu estar de cara pra rua, que tudo vem calmamente como uma viração. E lembro em paz, frente a frente com os passos que há muito deixei por essas ruas. As tardes de pop rock dos anos 80 e 90 no microsystem, o corpo estirado na rede a olhar as mil faces das nuvens e o som a embalar mil sonhos. Ao longe, os tambores e trompetes soando ao ensaio para o sete de setembro no ginásio do colégio, e as aventuras desse tempo vêm às claras. Era tudo uma farra. A cada passada de vista reconstituía a antiga namorada... E você do que se lembra, quando está à mercê das reminiscências nessa tarde sempre jovem em seus pensamentos?

A gente nesse tempo é eterno. Vivemos o sonho no sonho e somos eternos, não envelhecemos. Essa tarde que plana sobre a rua nunca envelheceu. Tudo é o que parece ser e temos a doce e ingênua percepção de que tudo é belo e imutável. Mas enquanto for, que seja. E que o olhar da meninice esteja sempre por perto, para que não nos percamos de vez nessa vida desvairada, porém apaixonante.

Já dizia o poeta: "abrindo um antigo caderno/ foi que eu descobri/ antigamente eu era eterno".


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Pablo Flora é poeta, mas quando as palavras não se aquietam no poema, inventa prosa.

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